[Recorda-se de Nós?]

...E isto se não fôramos nós assim,

tripulantes de barcos à deriva das eras,

seres errantes, argonautas absurdamente pálidos,

mal escapados dos troncos em que nascemos.

Somos presos à materna urbe que não envelhece

senão no espírito comburente da vontade

que se exaure em desânimos de eternidade...

Somos vítimas oculares daquela torneira solitária

cujo fio d’água entortava-se ao vento da tarde

num arco intrigante, até arrebentar-se no chão nu.

Em nossas bocas, o sabor do café com quitandas

que ora sentimos, lembra-nos, com amargura,

as já mal fornidas carnes cheirando a baú de relíquias!

Boiamos, insepultos, no mar de nosso próprio orgulho,

nossos sexos ficarão para sempre incompreendidos,

vítimas estranguladas no patíbulo das cruéis desconfianças.

E se eu já não disse tudo neste poema que envolve

o meu corpo como uma trepadeira de flores roxas,

fica o resto para depois, ó deusa, ó deusa doida!

[Penas do Desterro, 12 de outubro de 2006]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 17/01/2012
Código do texto: T3445429
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