ELIAS

elias casou-se

e, de repente, gargalhou

fez da igreja um circo

gritou, dançou, rodopiou

atracou-se ao padre numa valsa cômica

dançou, dançou, dançou

até cair resfolegante aos pés da virgem

e, como se vítima de vertigem,

custou a erguer-se

elias casou-se

e, de repente, saiu de si

desnudou-se no altar

bateu asas ágeis de colibri

tentou voar sobre as cabeças

causando um funesto frenesi

até pousar no colo da mãe desconsertada

que rezava em silêncio uma prece mal-rezada

envergonhada

a noiva estranhou

e, assim que pode, fugiu

sumiu no breu que a engolia

o pai da noiva tossiu

e a mãe ensaiou um desmaio

o violino calou-se o músico sorriu

arriscara um vivaldi tranquilizante

mas nada salvaria aquele instante

naquele instante

o padre zangou-se

e, fora de si, apagou velas

apagou luzes

nunca tinha visto uma cena daquelas

deu as costas ao mundo

nunca tinha visto aquilo nem em novelas

tateou as cegas o mármore sacrossanto

cruzou uma porta tomado de espanto

e também sumiu

elias casou-se

e, aterrorizado, surtou no compromisso

de defender o lar quando mal se defendia

de honrar com suor o entediante serviço

de apertar botões duma máquina

sem receber honrosamente por isso

encolheu-se feito um caramujo

frágil, feio e sujo

como os recém-nascidos...