Personas

A manhã vai se formando

do fogo escuro que a noite deita

em sinuosas seivas de luzes.

A noite desfaz-se em cansaços

rendilhados de esquecer-te.

Germinam claros momentos.

Desperto longe, muito longe de mim.

Silêncio.

A noite já despiu-se.

O dia surge com suas ensonadas cinzas,

com um novo destino.

Traz o imanente medo de se continuar vivo.

O que fui evade-se,

simula ser bruma,

finge que morre.

A tua lembrança deambula pela casa.

Não dormiu com a noite.

Cega, diz teu nome no rumor dos pássaros

que pipilam nas árvores ao longe

em desordenada sinfonia pela manhã encenada.

Nos tons de cinza da manhã teus olhos incertos,

ainda com o perfume da madrugada,

transbordam em esguias flores azuis e liláses,

transmudando as cores do dia.

E o que era pra ser nostalgia,

saudades de uma realidade qualquer,

passa a ser a macia pétala da rosa.

A rosa matinal,

miragem que o vento traz,

carícia,

jardins de sangue,

rubras rosas.

Quantas noites toquei tua ausência com meus sonhos?

Esquecidas, minhas mãos fingiam um vago olhar de adeus,

tateavam as silhuetas do abandono e da ausência.

A manhã indelével, como uma nódoa de tinta nos meus sonhos,

transpôs o respirar pungente da madrugada

inventando um mundo onde você não está.

A vida caminha para o seu luzente crepúsculo...

inevitável crepúsculo

Amealharei palavras para registrar a vastidão do que sinto

antes do inevitável final.

Cesso a busca.

Os dias sabem de todos os meus planos,

meus desejos,

meus sonhos.

Os dias sabem quão escuras são as minhas noites.

Sabem do meu medo, a envenenar-me.

Sabem da minha fuga

e do meu falso sorriso.

Sabem das minhas máscaras.

Sobre o rosto, além do falso riso,

um olhar sozinho e clandestino.

Os dias sabem quando acabará o meu mundo,

quando deporei as máscaras

e meu falso sorriso.

O dia, que havia nascido cinza agora deixa antever

pequenas ilhas azuis como miragens entre as nuvens.

Esqueço os céus e suas algaravias azuis.

Abro meu livro de capa vermelha onde guardo

o murmúrio das estrelas,

a insônia da lua,

o silêncio das sílabas da noite,

esta incoerência fragmentada,

esta persona,

esta mulher que mal conheço,

e vulcões,

cujas lavas encobrem

este imponderável esquecer-me de ti.