Silêncios de ontem

Esta calma,

este silêncio

que vem de um mar longíquo.

Este marulho de estrelas

na quietude desta noite nácar,

mais leves que o passado que os trazem,

tingem de azul-safira as flores que a manhã desperta.

O silêncio é o momento de espera

da passagem da vida num sopro de Deus.

É um tantinho da eternidade

viva dentro de mim.

Vive dentro de mim uma réstia do pôr do sol,

um tranquilo filete de água apascentando jardins.

O devir do dia imprime, com seu olhar escuso,

esta discricão taciturna,

estes sossegados segredos.

Ao longe alguém fura a vida em meio

ao murmúrio embriagado da chuva.

O céu, descendo ao encontro da terra,

com suas vestes de brocado cinza,

de românticos trajes,

hera cativa no abandono da equidade do dia,

trouxe a inocência do momento frágil

da lágrima no pingo da chuva.

Enquanto o ping-ping da chuva no chão

com seus olhos de drama,

com seu corpo de dança,

com sua voz de poesia,

com seu hálito de terra,

lava a vida e a cobre

com as vestes tranquilas

dos tempos novos.

Este silêncio que vem de dentro de mim,

quieto,

alma sozinha,

momento de prece,

procurando as crianças que fomos,

fala incessantemente em perdão.

Sonho calado.

As hastes de trigo balançam.

O vento descobre a visão entalhada no amanhã.

Abastos de luzes iluminam e umedecem as sementes da vida.

As águas do batismo ainda escorrem em minha testa

Há uma resposta insensível

quando te estendo a minha mão.

O destino passa curvado e melancólico.

Errante, já não acorda como criança.

A inocência se foi para sempre

e a filigrana do grande amor que eu sentia

tornou-se o ermo e frio rio indômito da rejeição.

A voz que dita os meus versos incertos

e meus gritos afônicos me diz:

"Se não podes ou queres perdoar ao outro,

perdoa a ti!!!

Busca a compreensão da vida

e procura entender os seus designíos.

Procura entre as coisas miúdas da ternura

a alfaia do sol que te iluminará a próxima manhã.

Lê, na despedida, o que ficou sem escrever

e escreve, com tuas letras escondidas pelo tempo o canto final"

E ainda me dizem os versos de fogo

que brotam inexoráveis em meu coração

na tarde de chuva que une o céu ao chão:

"O perdão nasce e cresce em devolutos grãos maduros dos dias que amanhecem abrindo caminho para os pássaros do mundo,

para a chuva e para o sol,

para o prazer e para a dor

para que as flores floresçam

perfumando as tulhas transbordantes de amor"