Infeliz felicidade

Quem quer ser feliz?

– eis uma pergunta inútil

Afinal, quem não quer ser feliz?

Não tem exceção,

Como disse Pascal,

Até quem vai se enforcar

Quer escapar da infelicidade.

Do prazer, não se foge,

Submete-se.

A felicidade é um ideal,

Segundo Kant,

Não da razão,

Mas da imaginação.

A felicidade

– relativa, abstrata, idealizada,

É romantismo, utopia.

Felicidade é desejo

E desejo é falta.

Ser feliz

É ter o que desejamos.

O desejo é a própria essência do homem,

Dizia Spinoza,

Porque a felicidade

É o desejável absoluto.

Para o mestre Sócrates,

O amor é desejo

E o desejo é falta.

Para o discípulo Platão,

O que não temos,

O que não somos,

O que nos falta,

Eis os objetos do desejo

E do amor.

Quando se encontra o objeto de amor

A falta é preenchida

E o desejo cessa, acabando,

Conseqüentemente, a felicidade.

Nunca seremos felizes...

Só desejamos o que não temos

Assim, nunca temos o que desejamos

Logo, nunca somos felizes.

Quando um desejo é satisfeito

Já não há falta, não há desejo.

O prazer é a morte do desejo,

Dizia Sartre.

Podemos ter o que desejávamos

Não o que desejamos.

Se ser feliz é ter o que desejamos

E não o que desejávamos

Nunca seremos felizes...

Ora desejamos o que não temos

E sofremos pela falta.

Ora temos – e se temos, não desejamos

E nos apressamos

Para o próximo desejo.

Não há amor feliz:

Na medida em que

Desejo é falta,

A felicidade é perdida.

Mais vale uma tristeza verdadeira

Do que uma falsa alegria.

E então, não há esperança?

Se ela é a última que morre,

Todo o resto já morreu?

Não! Não pode ser!

O que nos falta então

Para sermos felizes,

Se temos tudo para sê-lo

E não o somos?

A sabedoria! Saber viver!

Montaigne disse que

Não há ciência tão árdua

Quanto saber viver bem,

Naturalmente esta vida.

Uma arte, um aprendizado

Um constante aprender a viver.

Sabedoria é felicidade

Não um saber qualquer,

Ou uma “sabedoria”

Obtida a preço de drogas,

Ilusões, diversões,

Mentiras, esquecimento.

Sabedoria é a felicidade

Obtida da verdade.

É uma felicidade verdadeira,

Uma verdade feliz,

Alegria que nasce da verdade.

Muitas ilusões confortáveis

Trazem felicidade mais facilmente

Que muitas verdades desagradáveis.

O essencial é não mentir,

Antes de mais nada

Não se mentir.

Sobre a vida, sobre nós mesmos,

Sobre a tal felicidade...

(Sanca, 24/10/2008)

[do meu livro "Amálgama", pág. 79.)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 11/01/2012
Reeditado em 16/01/2012
Código do texto: T3435493
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