Não há que se dizer mais nada

O fogo que há em ti

É o mesmo que me queima.

Em mim pode agitar a alma

E atormentar os pensamentos

Em ti pode ser apenas

Uma branda chama apática.

Pode ser que em ti

Não consiga aquecer a melancolia

E nem iluminar-te os olhos,

E em mim seja calor eufórico

A brasa da minha língua,

Mas sempre será o mesmo fogo.

O mesmo que na natureza

Vai adubar a terra

Onde então a semente

Estabelecerá sua morada.

A terra que há em ti

É também a mesma que me firma.

Em mim pode ser ressequida

E devorar qualquer umidade.

Em ti pode ser fecunda

Casa de todo verde.

Pode ser que em ti

Seja estrada que encaminhe

E te encha de viço os lábios,

E em mim seja apenas deserto

A sede na minha boca,

Mas será sempre a mesma terra.

A mesma que na natureza

Vai abrigar a pedra

Onde a água cristalina

Brotará como encantada.

A pedra que há em ti

É a mesma em que me assento.

Em mim pode ser início

A base da fortaleza.

Em ti pode ser estorvo,

Lápide indesejada.

Pode ser que em ti

Seja peso sobre os ombros

Ou lhe feche as narinas,

E em mim seja solo seguro

Onde não se conhece a tristeza.

Mas será sempre a mesma pedra.

A mesma que na natureza

No âmago da sua dureza

É berço de toda água.

A água que há em ti

É a mesma que me sacia.

Em mim pode ser escassa

A fonte de todo medo.

Em ti pode ser que farte

Dádiva pura e sagrada.

Pode ser que em ti

Seja rio caudaloso

Ou mar de completa abundância,

E em mim seja ínfima gota

Inexpressiva em meu deserto.

Mas será sempre a mesma água.

A mesma que na natureza

Vai hidratar a semente

Da árvore tão esperada.

A árvore que há em mim

É a mesma que em ti aflora.

Em mim pode ser frondosa

Sombra ao meio-dia.

Em ti pode ser esquálida,

Frágil, mero caniço.

Pode ser que em ti

Seja baixa e retorcida

Ou cacto de pura ira

E em mim seja forte e frutífera

Esteio da minha rede.

Mas será sempre a mesma árvore.

A mesma que na natureza

É mais suscetível ao fogo

Quanto mais é ressecada.

E agora, se me permite,

Não há que se dizer mais nada.

Basta só entender que a vida,

Em nuances repartida,

Nunca foi fragmentada.

Frederico Salvo

Frederico Salvo
Enviado por Frederico Salvo em 07/01/2012
Código do texto: T3427745
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