QUERENÇAS, MODE O QUÊ?
Eu queria ter um rio.
E por cima dele eu queria uma ponte
para atravessar estrelas
de um lado para o outro...
Eu queria ser um rio.
Talvez mesmo até canoa.
Pra remar até a lua
e ficar ouvindo grilos na espuma do teu olhar.
Grilos eu queria.
E sapos de brincos nas orelhas da noite.
Pra escutar melhor a formiga carreirando sapatinhos de cristal.
E ver o clarão do teu riso de cachoeira lacrimante.
Como o lago das surpresas miúdas. Enormes, feito diamante em pó.
E depois deixar de ser.
Para retornar de inhantes quando tudo não mais era.
Nem você nem eu, quem de nós não queria ser gigante?
Um cogumelo viscejando feito sombrinha de picapau?
Quem sabe, borboletas vestidas de terno sem gravata borboleta...
Ou um esquilo nadando afobado, num tempo sem.
Um joão de barro, um joão ninguém. Quem?
Quem não havera de ser tudo isso sem medo de um dia virar do avesso?
Estava ali o sonho despejado de triste.
E o rio só. Por baixo dos peixes corriam lacraias e um cardume de jaburus.
A noite alevantou a mão áspera de cinzas.
E o vento molhou as barbas em fios de horizonte torto.
E veio a chuva tomar banho junto. Mulher nua, nem eu vi.
E nenhum pio de coruja, menos ainda se viu naquelas bandas.
Nem de mutum. Nem de araponga, nem canto de curiango.
A mata calada, só. E um socó arribando solidão.
Folhas de veludo comiam o vento, e um trevo da sorte, tremia. A noite,
um frio de medo botar.
Ao longe, bem perto das saudades, meu peito um grito molhou.
O rio virou duas páginas. Margens de lodo, marrequinha piadeira. Eu mais nada queria ser.
Meu sonho de rio se afogou.
(José de Castro. 26 dez 2011)
----------------------------------------