Ode ao que sobe

No programa de auditório a mulher

do americano cego que escalou o Everest

explica por que casou com ele:

Sempre quis uma vida extraordinária.

A platéia se arrebenta de aplausos.

Caminhando pela praia febril

longe de montanhas de gelo

recomponho o cotidiano

catando respostas nas pedras portuguesas:

branco sim, preto talvez.

A duzentos metros da areia despenca um balão

já sem fôlego, e morrem afogados

quatro rapazes esbeltos

que se encantavam com a graça do mundo

tão detalhado e perfeito lá das alturas,

até que o mar lhes veio ao encontro

bruto e inerte como uma planície de cimento.

Assisto da praia o espetáculo inútil do salvamento.

Daqui o espectro submerso de náilon

parece dançar uma valsa:

uma água-viva cintilante e amarela.

Você se mede por coisas tão grandes

mas hoje eu me aconchegaria

numa concha de mexilhão, que cabe em si

e que sabe que cabe em si.

Um poema verdadeiramente acabado já é vitória.

De resto, me contento em viver

testemunha de peregrinações verticais.

Eventualmente também, por que elas existem,

de suas quedas bruscas e mortíferas.