AINDA SOU O GATO PRETO
Eu sou o gato arruaceiro
Pêlo preto azevichado sebento
Que as querelas do tempo
Tornaram branco
Virgem como o alvo manso das ovelhas
Eu sou o gato piche e catacego
Pastiche de velho idoso obsoleto e manco
Que por anos e anos outros
Saltitava do telhado da igreja
Pátio adentro do terreno do puteiro
Lupanar barulheiro de luz vermelha
Bem lembro, repleto de meninas lindas e feias
Bundas e bucetas peludas ou lisas
Vulvas inchadas e relhas
Todas barbeadas em água-de-cheiro
Todas tesas das vestes despidas
Pois hoje sou mais o preto no branco,
O estanco egro do gato zombeteiro
O desordeiro pasmo de bigode grande
O interesseiro de rabo espesso e alto
Rescaldo do azougue de ouriçar arrepios
Das peles em caldo cúpido das felinas
Do gato negro, ainda resta-me um algo
Um nervo-vago, um esgar, um olhar de estrago
O arteiro só morre com o corpo...
Vaga afogada no lago uma estagnada libido
Onde ainda flutua e transita o membro solto
Como que escalando muros de casas altas
Nos rebaixos patarateiros dos altos morros
Sim, do velho gato preto mantenho o figurino
Que de resto perdi tudo nesse mundo louco:
O jeito, a astúcia, o urro, o pau-duro, o carvão do pêlo
Só não perdi, assumo, o meu gatuno espírito de porco
O aliciador tonitruante dos redundantes dos meus desejos