A jangada de Medusa*
O gigantesco de minha verdade apodrecida,
Marginaliza o mar e faz quase mortos semi-deuses.
E num triângulo de peles lívidas e feridas ocultas,
Vão os restos da nau que matou o sonho,
Porque o que há de humano nas luzes da razão,
Sucumbe á fome que nos torna animais.
Não há heróis nem suspiros apaixonados,
Apenas o sol marcando o corpo á deriva,
Os ossos que surgem sob a carne amarelada,
O aceno distante no alto de uma farsa,
Que o horizonte inflamado não responde.
O que guia o equívoco do sonho revolto,
Cria a morte pelos caminhos inventados.
Assassina o corpo e á escuridão entrega
Toneladas de promessas e futuros desfeitos.
Perpetua-se o equilíbrio geométrico,
Mesmo com dentes crispados e corpos devorados,
Pois não há realismo nem cabelos desgrenhados.
Há o mar e o invento despedaçado,
Marchando pra longe, como condenado,
Entre barris e velas esfarrapadas.
Há restos, há instinto desenganado.
Mas entre tantos, há o profeta,
Que diz do passado de onde fugimos,
E que mesmo macacos sofisticados,
Para sempre retornaremos,
Como chacais esfomeados.
--------------------------------------------------------------------
*Sobre a pintura de Géricault