SONHOS SURRADOS.
Tem dias que a gente não sente
nem sabe o que partiu ou coalhou
a gente de enterrou de repente
como o que era gente secou
A gente que ter novas saídas
entender o que não aninhou
como se isso tivesse vez
como se isso fosse talvez.
A gente quer ancorar nos ossos de quem for,
a gente quer acordar cada fantoche fugido,
mas o tempo é voraz, falho, surrado,
e a cada vez mais se mostra pequeno.
Tem dias que a gente é poente
minguado naquilo que tem de maior,
como se fôssemos fraldas sujas de um desejo,
como se fôssemos o cuspe podre de um amor que voou.
Então o que é da gente sai da gente
o que poderia ser feliz fica feliz
o que deveria ser vivo se faz vivo.
Tem dias que a gente é distante
como quem não escuta sua própria dor
então vamos de volta para casa,
calados e desnudos em tudo que pudermos
para então recolhermos o que sobrou do amor surrado
para então desdobramos cada teço dessa pele encardida
para então desfazermos cada sono que deveria ter repousado em nós.
Foram tantos aqueles véus que rasgamos num bravata de fé,
foram tantas as manchas que deixamos sorrir nos delgados flertes de Maria,
foram tantos os gozos que nossos tumores não deixaram ir embora.
Então quem vier beber nessa fonte que traga seus copos vazios
quem vier cerzir as cicatrizes em mim que seja bem quisto,
quem vier ouvir as cabeçadas dessas meretrizes ensaboadas, que venham.
Porque o que estava tardio não se encarde mais,
o que estava enfartado que se empapuce de licor barato até a morte
o que estava gafanhoto agora é todo de Deus.
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