Três formas para Canaletto
Entre um barco e outro que passa,
Pelas águas turvas do canal,
Bóiam as páginas quase desfeitas,
Com suas iluminuras vermelhas.
As ondas as espalham à esmo,
Cada vez mais separadas do tomo,
Até que estejam bem longe, caladas,
Não dizendo mais nada, esquecidas.
Elas vão pela minha antiga Veneza,
Se afundando e às vezes ressurgindo,
Passando pelas velhas arcadas de pedra,
Ouvindo o som do oboé fugidio,
Ou a briga dos irmãos na janela.
Vêem ao longe o casamento comprado,
E depois a festa dos reis do serralho.
Se envenenam pelo amor proibido,
Se elevam na luz do meu delírio.
Eu postado no alto da torre branca,
Olho o que se passa lá embaixo,
Uma pena na mão e um olhar aflito,
Buscando aquilo que não está perdido,
Apenas oculto de minha visão.
As páginas gritam em sua passagem ,
Mas seus gritos são um despropósito,
Separadas de um antigo livro escrito,
Cheio de anjos e santos esquivos,
E só podem dizer de sua cor escarlate,
Tingida pelo negrume das águas.
E então penso nas mãos dançantes,
Atirando a história ao acaso.
Nunca mais se encontrarão as palavras
Que eu atirei pela janela da torre,
Que se afogaram e foram dar no mar.