SOB O JUGO DO VÍCIO

Este poema, infelizmente, é o retrato daqueles que tiveram tudo para vencer na vida, e sucumbiram derrotados pelas drogas. Portanto, fica o alerta.

SOB O JUGO DO VÍCIO

Sonhos interrompidos, futuro destroçado.

O silêncio reconhece a noite interminável.

O remorso, inquieto, circunda acovardado.

A derrota subjuga a fé e se instala intocável.

Seus passos, de pés sujos, não pisam flores.

Sua vil sombra ofende os nobres passantes.

Repugnantes, inconcebíveis os seus odores.

O nojo envolve a tosca estampa degradante.

E ele, invisível, se detém ali, a presenciar,

Risos estridentes, rostos fúteis entre vultos.

Assiste ao que não poderá jamais saborear,

Felicidade, festa, júbilo em sorrisos adultos.

Um penar noturno que o dia busca esconder:

O fracasso conquistado no esforço da vitória.

O humor travado, no último aplauso sorver,

A fuga do céu, para um inferno sem glória.

Molambo que vagueia só, entre a multidão.

Especula, como infame garimpo, a sarjeta.

Ocupa o espaço, sem vínculo, nem noção.

A identidade sem foto, gestos sem etiqueta.

A vergonha envolta numa errante história,

Adormecida sob os lençóis do lixo exposto.

Esconjuram seus atos, rasgam sua memória,

Estupram sua honra, cospem em seu rosto.

O olhar taciturno... recita palavras em vão.

Foge de seu inimigo, delira com almas amigas.

Conversa, confina a visita, mostra sua mansão.

Abre o melhor vinho... serve em taças antigas.

Saboreia como criança que brinca inocente.

Enlouquece de prazer no quimérico mundo.

Até canta, dança, se apresenta cortês latente.

Conquista sua dama de semblante profundo.

Baila a valsa que ecoa da sublime orquestra.

Um ser que se isola, que teme o cruel despertar.

Forja o lazer, infausto... a alegria o sequestra.

Renova seus amigos, esnoba o seu bem-estar.

Quase louco, grita, esperneia, espalha receio.

Ninguém paga pra ver, nem suspeita indagar.

Quem é você que pede sem dizer pra que veio?

Não tem ninguém com quem se preocupar...?

Nem imaginam que ele já sorriu, já dançou.

Já se vestiu, decente, já cantou... contente

Até festejou, de fato, viu gente... viajou;

Foi importante! Vejam! Já amou! Dolente.

Ah!... E amou!... Verdadeiramente!

Mas hoje vaga num vazio sem perceber.

Flutua na saudade dolorida, cruciante.

Esmaga, a cada lágrima, a fé de vencer.

Descreve, ziguezagueia trajetória viciante.

Um rei plebeu de simulada luxúria cativante.

Traga. Cambaleia. Alucina. Viaja em jargão.

E outra vez canta, dança em arbítrio mutante.

Sorve, em êxtase profano, a passageira ilusão.

Morreu em vida, de olhos abertos, expirou.

Coração pulsando, com os vermes, sucumbiu.

Serenamente, o próprio enterro acompanhou.

Beijou seus entes queridos... e se despediu.

Jogou flores brancas na cova sangrenta, rasa.

Quis lápide simples, sem inscrição de alforria.

Morto que anda, sente, respira e dor extravasa.

Puxa a campa, resignado deita na calçada fria.

No seu túmulo, brilham mil estrelas sombrias.

Coberto de dourado luar, sob rico céu colorido,

Abraçado às ternas e irrealizáveis fantasias,

Dormirá sozinho, pela última vez, desvalido.

Numa aventura fútil - um império intrépido.

Chegou a hora de reaver a nobreza perdida.

Escarrar pelas narinas o torpe sangue fétido.

Vomitar pela garganta a esperança atrevida.

Mas a buzina assustada, a freada vacilante.

Soam em ecos febris, no prédio iluminado.

O corpo rodopia ao vento e cai angustiante.

Parte assim. No sobressalto do inesperado.

Vencido pelo vício que a realidade dizima.

Seguido do grito lamentoso de um passante.

Inerte, permanece. Ninguém se aproxima.

Era apenas um mísero andarilho errante...