Escola de Atenas

Se ao meu lado direito tenho o sol incinerando o céu,

Tendo aos pés a ira que chamei de ímpeto

E a cobiça que chamei de desejo,

Ao lado esquerdo tenho a mãe de Atenas,

Tendo aos pés a virtude que repousa

Sob o escudo do horrível grito da guerra.

Um céu perdido ao fundo das arcadas,

Onde vultos de deuses antigos observam

Como morreu sua magia primitiva

Nas mãos de homens que rabiscam sobre o pergaminho.

No centro do mundo que morre em um arco,

Limitado pelos arabescos de ouro e prata,

Um ergue a mão direita enquanto o outro

Aponta para baixo onde está a realidade.

O ideal não está mais aqui entre nós,

Mas num infinito acima de nosso desejo.

E lá está tão bem guardado e adormecido,

Que sobra-nos o finito calculável

Do que vejo com os olhos da arquitetura.

A dialética da vida obscura,

Oculta nos punhos cerrados que erguem a cabeça,

Diz daquele que escreve absorto e entrega ao mundo

A resposta para o degelo de minha solidão errante,

E para a morte que cessa a fúria da corrida sem razão.

O tempo faz do meu coração aquilo que nunca foi,

E faz do fogo nascer aquilo que é marcado pra me conter.

É a perfeição descrita em números puros

E quanto menos complexos os intervalos

Mais perplexa a música das esferas.

Com três retas eu explico mundo,

E com uma fração eu lhe mostro a beleza.

Porque a vida é o nada entre os números,

Onde entro pelo infinito da representação,

Vejo o quanto não tenho respostas,

E saio para o universo que não conheço.

E tudo posso construir tão atrevidamente,

A partir de dois pontos no espaço perdidos,

Desenhando um mundo tão ambivalente,

Feito de segmentos, curvas e teoremas.

Porque meu mundo é feito indivisível,

Como indivisível é meu espírito.

Aqui não é mais o sol o centro do céu inventado.

Apenas percorre com seu carro fumegante,

A abóbada encarcerada entre ventos temperamentais,

E descreve o rumo das estrelas que me mostram

O caminho escrito com sonhos pelo mar.

Os sonhos que despencam como as cores que vejo

Nesse horizonte com erros de tradução,

E que me impelem ao fim do mundo

Que um dia daria no Hades ou no meu quarto.

São fantasias envoltas em turbantes,

Daquele que comenta a morte da minha alma,

Corruptível como só um cão faminto de dor,

Maleável como a dança das mulheres árabes.

E na aurora do tempo contemplei pelas arcadas,

A serpente tendo sua cabeça esmagada,

Pelos pés do deus que somos nós transfigurados,

Numa noite fingindo sua luz estilhaçada,

Pelos vitrais da catedral que é minha casa.

E nenhuma moral nasceu de minhas mãos calejadas,

Onde havia apenas a dança dos camponeses rudes,

Feita de sal, suor, orações e música petrificada.

E agora em minha oculta condição,

Longe da dor que persegue a criação,

Entendo a luz que trago em minhas mãos

E limito o sentido de todo mal e toda ira

Ao que não alcanço nas profundezas do abismo.

Porque estando alheio ao mundo que me contém,

Sou forte como a chuva que lava a terra do medo,

E como a manhã que desperta minha certeza do pesadelo.

E como o cão desprovido de qualquer vergonha,

Como a fera encantada que observa o equilíbrio,

Dou ao mundo meu melhor latido para a eternidade.

Cercado pelo meus pelos cínicos,

Entendo como fera os deuses feito construtores,

Que me espantam e me invertem a certeza.

Amanhã tudo isso será pó e esquecimento,

Será infância e renascimento.

Porque como cão que ladra ao deus imóvel,

Agora sou estatua no centro da terra,

Por onde andou o sol e onde morreu a guerra.

---------------------------------------------------

Dedicado aos escritores Tiago do Valle e Otto M. que me inspiraram a descrever a grande escola de Atenas, representada na magnífica pintura homônima de Rafael Sanzio.