Capacho de controvêrsias
Servi de capacho para os teus pés imundos
E ri, irônico, porque quantas vil,
Quantas vezes reles, eu servi de capacho
Para os teus pés imundos...
Quantas vezes amargurado,
No âmago maior da amargura,
Eu servi de capacho para os teus pés imundo...
Certeza? Convicção? Compreensão? Que importa?
Que importam os sinônimos, para tanta sujeira.
Que importam as qualificações,
Que importam as interrogações,
Se você vive sem explicações
E que para você não tem sentido algum.
Eu, o mais ralé de todos os homens!
Que trabalha miseravelmente,
Que acontece, miseravelmente
E, em tudo o mais, miserável covarde.
Não sei dizer as palavras certas, nas horas erradas!
Não sei dizer as palavras erradas, nas horas certas!
Nem sei mesmo dizer nada!...
Miseravelmente porco,
Miseravelmente imundo e desprezado pelo mundo!
Mas que se dane o mundo!
Que se dane a fartura da nobreza,
Que se danem as coisas boas e as boas comidas!
Eu vivo de pão e muito bem alimentado,
Porque não é só a comida que me satisfaz, organicamente...
Eu vivo de ser são e vou viver!
Não sei se estou feliz, mas sei que sou eu,
Miseravelmente eu...
Sinto tudo: o sangue subindo com sede de vida
E vou viver gargalhando, gargalhando de tudo!
E eu me entendo. Entendo porque sou fácil
E faço-me entender...
Leve e me levo, eu mesmo.
Me entendo, porque olho no espelho e me pergunto...
Entendo, porque me respondo.
E chega de perguntas e de respostas!
Porque as perguntas sem respostas
E mando para o inferno! Que vão para o inferno!
Eu vou ficar sozinho...
Cansei de estar acompanhado.
Cansei de ser companhia.
Que vão todas as companhias para o diabo!
Eu quero é ficar sozinho
Porque é necessário ficar sozinho
E eu não vou mudar o que é necessário.
Poderia sair e ser de companhia,
Poderia entrar em um bar e beber, freneticamente...
Mas eu quero ficar lúcido e consciente
Para aproveitar mais, dessa dor...
Dessa dor que se apodera e me dá náuseas...
Quero deitar-me e rolar a noite inteira,
Quero rasgar os lençóis, de tanto contorcer-me,
Quero ter gestos a favor das contradições,
Mas quero ficar sozinho...
Não adianta apregoar-me religiões,
Não me adiantam supostos conselhos,
Porque agora sou eu, um coração e o universo,
Um universo de coração, ódio, solidão e tédio.
Como consertar isso?
Isso não tem conserto...
Isso é ira, ironia, desolação....
Acura disso é um ferro quente
Que pode suplantar a dor da carne,
A dor da minha mágoa,
A dor da minha alma.
Sou fraco, com todo direito!
Com todo direito de querer sê-lo
E com todo direito de inventá-lo.
Porque sei o querer não sentir a dor de agora
E ninguém sabe, nem a metade!
Círculo de fogo, eu sou o arco!
Tijolo por tijolo, eu sou o concreto!
Eu sou a cana que a máquina mói,
Eu sou a cerca que o touro chifra,
Eu sou o chifre do touro,
Eu sou uma folha ferida,
Uma pedra agarrada, pelos caminhos da vida...
Deixe-me respirar, que estou ofegante,
Acender um cigarro, meu prazer delirante
E olhar para as paredes que pintaram de branco.
Porta sem porta,
Janela sem janela,
Árvore sem galho;
Um ponto, infinitamente longe de tudo,
Uma contração abstrata, no meu corpo, que me leva ao fim...
E eu nunca chego ao fim de todas as coisas;
As coisas é que me chegam ao fim.
Eu nunca dou fim às coisas;
As coisas é que me dão fim...
Vida partida ao meio,
Vida pela metade,
Vida paralela,
A vida que a gente olha pela janela
E vê o horizonte, distante,
Como paralelos dessa insatisfação.
Queria ser tudo ou, pelo menos, tentar ser alguma coisa
E o que fui???Um inconsequente!
Ó, consciência maldita, que me dá lucidez!
Ó, embriaguez, que não me alucina,
Que não me dá vertigem e nem sono!
Ó embriaguez nítida e nostálgica!
Ó tédio, Ó Tejo, a solidão do mundo!
Aprecio e gozo, nessa insatisfação,
Nessa engrenagem suposta de sentir alguma coisa...
E o que sou?
Morro e morro de tédio...
Tédio aparente. Por dentro, estou transbordando...
Estou transbordando por sentir tédio...
Abram-me todas as portas enfumaçadas...
Quero imiscuir-me na fumaça...
Quero ser levado por correntezas,
Quero ser a pedra, o sal,
Quero ser tudo, para me desprender desses versos.
Versos gana, vontade de rasgar esses papéis!
Mas vou à frente, porque não sou tão fraco, assim!
Vou em frente, deixando os versos atrás de mim!
Misturar-me com a fumaça
E os versos, que se misturem com a poeira!
Vá para o diabo, quem me causou tanta amargura!
Não sei quem é mais incapaz de viver!
Não sei quem é mais repugnante:
Se fui eu que te amei depois
Ou se foste tu, que me amaste antes...
Estou titubeando...
Estou titubeando, porque sou fraco
E fico fraco, nesse poema de controvérsias...
Porque quero ser introvertido e fraco,
Porque quero ser tudo e não quero ser nada!
Enquanto quero ser tudo, que me deem flores;
E agora, que não quero mais nada,
Que vão para os diabos, as flores!!!...