A lua dentro da gota de chuva

O vento passa tanslúcido, no ritmo das estrofes de uma canção que nunca, nunca mais se ouvirá e que o dia canta docemente...

brancamente...

tão longe...

Adormecendo meu coração sem que te dissesse do enternecimento de uma palavra que era tua

A cidade amanheceu incendiada por uma chuvinha miudinha.

Em meio à nostalgia do sol que se depôs o tempo espera, parado... atento...

escuta a chuva que com preguiça vai molhando o solo e as distâncias.

Decaem finas gotículas oblíquas, imarcescíveis, premonitórias, caindo assim,

de mansinho...

invisíveis...

fendendo as portas da luz,

escorrendo pelas portas do dia,

umedecendo o sonho e o fim,

tecendo a minha agonia.

A chuvinha faz da manhã o inteiro instante da eternidade sem ti

Faz do tempo um corpo imóvel, sem anima...

As tuas súbitas palavras partiram, como é absolutamente preciso partir,

levando consigo memórias,

deixando na solidão o aroma e as cores das flores do Jardim Botânico...

a morada insuspeita do tucano de bico-preto...

que voa do tronco ao galho, do galho ao tronco,

levando consigo nossos olhinhos de criança,

frêmitos de alegria e fulgurante enlevo,

o encanto azul de uma borboleta todinha azul...

num dia cinza,

num ar emudecido,

na bruma das negações.

O Rio reflete a minha alma rabiscando sonhos que apaga com medos

O dia caminha, assim, entre minuetos e águas, esperando a condescendência

de que amanhã brilhem os anjos em sóis sobre o Corcovado

As ilusões e a neblina...

a melancolia do dia...

minha alma cega de ti

escondem o Cristo para que tu olhes nos olhos meus,

para que a vida prossiga movida pelo teu gesto,

para que amanhã o dia nasça na esteira azul dos olhos calmos do efêmero sono das estrelas,

para que o tempo avance na espiral dos meus passos

para que a madrugada durma enlaçada nos meus braços

Não olhas!!!

Não olhas nos meus olhos

A tarde é um esperar a impossibilidade ofegante de um carinho

No bondinho sento ao teu lado como quem lê poesia

e diante do verso de beleza repentina sufoca e perde o ar,

como quem se lança ao mar,

perdido argonauta em busca do seu amor.

Passa o amor, o vento, aves esguias, por entre a névoa e a mata

O silêncio...

só quebrado pelo clic da fotograf(r)ia

silêncio...

clic...

silêncio...

...

Céu de soluços escuros.

Tempo cinza,

o céu se junta ao chão.

Horizonte?

Não tem não.

Ficou incompreensível no infinito que vai embora

Inalcançável fumaça por uns verdes recortados.

Cingido ao mar e no mar indo morrer...

de saudades,

de ausência...

de silêncio...

também se pode morrer

Quem sabe quanto se morre?

de silêncio...

de ausência...

de saudades.

Quem sabe quando é morrer?

de ausência...

de saudades...

de silêncio.

O mar não se finda ali onde havia um céu.

nem revela o truque ou trapaça das águas que o céu bebeu

Descansam os meus olhos a chuva que cai sem cair... vagarosa,

sem beijar a ti, Copacabana.

Molha somente as minhas dúbias certezas, meu castelo de névoa e bruma aonde me refugiei

Meu império de tão poucas lutas e muitos medos tem ares medievais

Entre os impérios de vento e sonho e sumo, tuas mãos, nunca mais,

nunca mais,

nunca mais,

nunca mais o teu sorriso,

tua voz, nunca mais...

nunca mais é tanto tempo

olhando para indecisos passados...

que não passam

Nunca mais é o grito que lanço e que não volta jamais

É labareda onde queimam nossa história, nossos segredos,

o pecado sem perdão em outros lábios vermelhos,

em tantas sombras furtivas,

nas sombras dentro do espelho

O resto, tudo o mais, é improviso.

As carruagens que passam na rua puxadas por cavalos em tropel

A mulher que passa de chapéu, com seu vestido rodado e longo,

deixando em seu decote a sugestão de seios de um filme de Chaplin, a beleza "Ab aeterno".

As úmidas frondes das palmeiras no tempo indistinto e antigo trazendo vultos do passado,

histórias de longe,

vozes no vento,

pensamento,

ausência,

são espelhos de um passado que afaga a curva dos braços onde deito meus sonhos dissonantes

Ao longo da rua as aliterações do vendedor de flores oferecem um passado de

cantigas,

toucadores,

leques,

espartilhos,

sobrancelhas pintadas à lápis

cloche

vestidos de seda

batom carmim

e uma pequenina estrela

que da noite se perdeu

Dia sem vida...

Tarde sem céu..

Noite sem perfume...

de rosas...

de jasmim...

vertigem...

Eu... longe de mim

A chuva fininha escorre pelo ar,

Se esgueira por entre o ocaso e os silêncios

Só se houve no silêncio o farfalhar dos farelinhos da chuva

As sombras se ouvidaram na tarde cinza,

sem saber se a lua vem

Espero a lua que passará reluzindo

pelas janelas fechadas,

pelos telhados molhados,

pelas portas entreabertas,

pelas paredes caiadas,

pelos caminhos oscilantes,

pelo meu peito bêbado,

pelo meu coração de outrora,

pelo meus olhos úmidos,

a lua há de passar.

Dentro da gota de chuva

ou no fundo do teu olhar.

Do teu mar...

Copacabana