O menino

A luz silenciosa e úmida de dezembro fulgia quase ouro, lenta e percebida,

iluminando as supremas noites orvalhadas pelos olhos de quem sabe e aguarda a promessa.

Olhos que choraram e choram os dias sem um destino que os viesse tocar

Sós...

Tão sós como a liberdade das velas abertas em alto mar.

Levava consigo as folhas que ondulavam suavemente no ar,

e as sombras cobrindo o solo,

e o mistério piedoso que no ribeiro se ouvia.

E soava como um coração antigo e suave,

na vacuidade de uma presença inesperada

que revelaria o esplendor da face do Universo.

Um rouxinol dizia melodias na noite encantada.

E os passáros menores cantavam grandemente também

[na noite encantada

Cantavam as estrelas, em torno da espantosa vida,

doces canções de infâncias, perpassadas de amor e alma,

recobrindo toda a estrada ao som dos címbalos e das fontes,

que lacrimosas embebiam de amor a espuma dos instantes

e as vozes de regresso do Menino que vai nascer.

E como brincadeira e sonho de criança,

em alvoroço de verdes pirilampos voejando,

tremeluzindo o ar como os pensamentos do bom Deus,

as crianças contemplavam a boca da terra anunciar:

"É natal novamente

O Menino renasce"

O Menino, Amor eterno,

nada exige,

nada pede,

nada espera.

Habita o mundo de insensível matéria.

Traz consigo esperanças.

A liberdade que o crucifica em nosso nome.

Um Deus garoto em todos os dias,

como uma sentença de vida

executada em cada manhã celeste,

em cada giro deste ilusório mundo dos sentidos.

Mudando a razão das coisas,

irrompendo a rosa da noite no mar negro destes céus de enganos.

Inquietantes sinos seculares dobram

com suas vozes crepitantes:

"Nasceu o pequenino menino,

nasceu entre o feno e a dor,

nasceu para que o nosso destino

soubesse da graça do Amor".

E o eco da Luz espargiu-se no espaço dissolvendo-se na aurora que gerou o Dia.

Ouve o eco da luz da noite alumbrando os passos que por vezes é rio e pressa, por vezes é chama e consumação, num guardado segredo.

Vê o caminho da noite que é mais leve que o soprar dos ventos nos grãos de areia que são, em si, pequeninos mundos de cristais e rochas e sabedoria que, suavemente, deixam-se serem levados pelo ar.

Vê esta manjedoura aonde o aquece a Verdade que o Deus fiel nos mandou para reunir seus filhos dispersos, obsediados pela injustiça e pela mentira.

Vês o Caminho,

a Verdade,

a Vida?

Oferta teu coração de ouro, incenso e mirra,

e que de mirra não seja,

e que de ouro não fosse,

e que de incenso não é,

oferta teu coração que é o filho dileto da casa de teu Paí.

Os anjos evocam os sinos...

Dobram os sinos inexprimíveis,

tecem cantos do antes do amanhecer,

desenhando a magnificente linha do horizonte

da onde fulgi, em meio à primeira luz,

a etérea eternidade fluida das palavras

dos teus sagrados lábios, Jesus.

"Por ti Deus fez-se homem; se em Deus não te tornares

Zombas de Seu nascimento e de Sua morte." (I, 124)

Que vamos dizer quando a manhã não vier sobre as arcadas da noite que nunca mais se apagará?

Dobram os sinos na noite,

dormem os sinos a dobrar...