BOULEVARD BRAGUINHA
A cidade é um organismo em mutação constante
e eu sou um vírus em seu âmago quente,
eu sou o vírus da poesia
A cidade é um colossal animal se debatendo
e eu sou a pulga em seu dorso inquieto
Imperceptível permaneço
no silêncio de uma caminhada anônima
capturando a poesia de cada endereço,
instilando literatura incansavelmente
lançando ao vento cada poético gesto
que rebate toda a alienação do dia
Minha visão devora toda a realidade
do lugar
Meus pés calados caminham o tempo todo
sem parar
Meus ouvidos desmantelam aranzéis e outras coisas
sem importância
A voz é imprevisível no irreconciliável motivo
da irrelevância
Faço gestos dementes da ambivalência morta
da extravagância
Cada detalhe me pertence, cada relance é meu
e todos os movimentos estão aprisionados agora
no poema repentino que brotado é multifacetado, é polivalente,
é dominador no calor da atmosfera selvagem e obtusa mas...
certa mulher me fascina!
Sugo o sangue da cidade,
estou nela sem que ela me veja
Sugo-a sem saciar-me
Sugo suas horas sem sentido
Sugo sua beleza pétrea
Sugo seus ares poluídos pelas narinas
e canto sua dissonância apressada
e o meu cantar é o meu existir
e esse existir é apenas estar nela
e em eu estar nela já não sou apenas eu, mas parte dela
e toda essa coexistência acontece
no tempo dos carros deslizando pelas ruas
e as informações viajando em fibras ópticas
enquanto os mendigos se confraternizam nas praças
e os capitalistas perseguem inexoravelmente o acumulo do capital
Tenho o olhar do bom selvagem;
em rasantes inequívocos pelas ruas
eu sou vários eus
e me mimetizo entre os pensamentos maliciosos das pessoas
Eu sou o camaleão
de curtas respostas
como sim e não
Caminho tranquilamente
no meio da barafunda
enquanto a plebe
em promissórias se afunda
Eu sou o estranho calado
e o vendedor falante
Posso incutir a dúvida e semear a incógnita
E rir sozinho saboreando o prazer jocoso da vitória
que me vem como um troféu sem honra
Eu vim para semear a discórdia e o caos
sobre as cabeças inermes
de todos aqueles que se julgam superiores
e rasgam todas as horas dos seus dias com frases imperativas
Eu sou a solidão
dos passos ecoando numa rua estreita,
eu sou o caminhar em silêncio
e com as mãos nos bolsos atravesso indene as horas e os meses
e a rua das prostitutas
Não sou o poeta dionisíaco,
antes sou o romântico que gosta de dormir
abraçadinho com a namorada
Morpheus