É natal novamente...

Deixarei que a meiguice das tuas flores e o silêncio

[do teu jardim te digam

dos brilhos das manhãs,

do sol enevoado de sono da noite que o precedeu,

dos teus dedos a tocarem o orvalho na folha onde se vê,

[claramente, o amor no mundo,

das tuas mãos pequeninas onde se sente a pureza dos anjos

das lunações,

das luas antigas,

das belas cantigas que passam lentas pela alma,

[e pousam na vertigem diluída da memória,

da meninazinha banguelinha, (Guimarães Rosa)

da tua gargalhada da infância,

da boneca confidente,

do cheiro doce do caju,

do banho de chuva,

dos passos de dança,

de caminhar à luz da lua,

do teu jardim que, antes de existir fora, existe só em ti,

da borboleta que pousou em teu jardim,

do casulo suspenso ao sossego do teu jardim

da borboleta azul que só existe, como a vês, dentro de ti,

do perfume das flores,

das cores nas flores,

das flores,

da translação das partículas,

da chuva caindo em desordem como os versos no poema,

do ruído das águas caindo nas folhas... e na terra...

[e na alma

do cheirinho verde de terra depois da chuva,

do sol ferido deitando-se em vermelho em tua sacada,

do sentido das coisas ouvidas no vento,

do sentido das coisas ouvidas no silêncio,

do destino,

da fuga, (anachoresis)

da quietude,

do silêncio,

da solidão escolhida e consentida,

das palavras que som nenhum reproduz,

das lições da vida

do ser bom ou ser mau aluno

da libertação dos desejos,

da Liberdade sutil,

do Absoluto,

do Amor Incondicional,

da vida onde não há regresso,

do amor que compreende a vida e a morte,

do mar e sua voz chamando para o silêncio da tarde peregrina,

do vento farfalhando na noite que dorme nua e ardente,

dos cântaros cheios de poesia e de madrugadas fartas de estrelas,

[úmidas estrelas,

do vendedor de sonhos e momentos pueris,

do gesto mútuo,

da fragilidade da amizade,

do soneto que não te fiz,

do tempo que assim passou... sem verso, nem poesia,

do sentimento que isto nos traz,

do ruflar das asas vigorosas de um pirilampo,

do verde intenso do pirilampo,

do tremeluzir da noite diante do vôo lépido dos pirilampos

das pálpebras da madrugada,

dos sonhos,

de uma viagem a fazer,

de lugares esquecidos,

dos segredos,

dos sonhos e segredos tímidos de ternura,

do canto, num canto, enquanto o encanto... espera,

do riso,

do desejo de cingir a vida,

do choro,

do indeciso lamento,

da saudade entrecortada...

[véu vermelho da rosa constelada,

dos teus filhos,

da delicadeza dos traços de teus filhos,

dos teus olhos para acarinhar os teus filhos,

do monólogo sem remorso,

do encanto das cartas e dos cartões-postais (dos que ainda há),

da Existência,

da ilusão do Tempo,

do que você já fez,

do que você já foi,

de tudo o que você disse,

do outro tanto que você calou,

das águas dos rios serenos,

do vazio, meu Deus, do vazio...

[tempo de sombras sem rumo,

do futuro que ficou amealhado nos anos desabitados,

dos caminhos quietos, onde a luz do sol caminha,

dos teus olhos alumbrados pela paisagem beirando os riachos,

do olhar dos lírios que procuravam pela lua que não vinha,

da eternidade adormecida nos umbrais das janelas,

da nostalgia das flores amarelas quando sopra o vento e a folha cai,

da ausência,

da indiferença que pode estar contida na lâmina fria

[das palavras sem memória,

das palavras duras que guardamos junto com os cães adormecidos,

[deitados na mesma pedra,

dos aeroportos,

de um saguão no aeroporto do Rio de Novembro,

do ar saturado de desencontros,

dos meus olhos buscando-te na multidão...

[o olhar que vê... mas vê em vão,

do adeus numa tarde de chuva miudinha como a dor,

do suspiro após do choro,

do colo para um carinho, consolo, aconchego, ninho...,

da poética de ser sozinho,

da luz do deserto,

do frágil instante,

da Essência que há em Tudo

da Vida que habita o Nada,

da beleza dos serafins,

das árvores emparelhadas,

do encanto da árvore na sala,

do sonho de papel,

do papai-noel,

da noite feliz,

da vida feliz,

da vida na cruz

dos braços abertos para o perdão

da solidão de Jesus

dos sinos reverberando nos céus

dos sinos de bronze,

[dobrando na névoa sonolenta das manhãs

[É natal... é natal...