A INQUISIÇÃO DAS LETRAS

Ó, poeta, por que te afliges tanto

Com a dor de palavras vãs nem tão sublimes ?

Se não consegues dominar teu pranto,

Como explicarás o motivo de teus próprios crimes ?

Ó, poeta, tu mataste o verbo e o adjetivo

Em uma noite sem razão e sem perspectiva

Como se estivesses morto, mesmo estando vivo

No vácuo que a existência por si só cativa

Ó, poeta, tu caluniaste a dúvida e a demência

Acusando-as de corromper idéias nem tão puras

Em um mundo onde delira toda consciência

Em um mundo de imagens, símbolos, figuras

Ó, poeta, tu conspiraste contra o teu Estado

Agredindo o governo que a corrupção preside

Para fazer da república um puro principado

Para fazer do sonho um rei que não se elide

Ó, poeta, tu induziste ao suicídio a própria aparência

De quem tu quiseste ser, quando havia espelhos

Nas águas sãs e puras da mais sublime essência

Nas mais recônditas emoções de rótulos vermelhos

Ó, poeta, tu fizeste apologia ao amor eterno

Em tempos de paixões tão frívolas e passageiras

Acaso o coração não oscila entre o verão e o inverno ?

Acaso a emoção não se transfigura de mil maneiras ?

Mas, poeta, por que cometeste todos esses crimes

Se tu eras tão puro, casto e transcendental ?

Se a palavra é a razão que a ti mesmo imprimes,

Por que tu sucumbiste, atônito, entre o bem e o mal ?

Fala logo, poeta, qual será teu ignóbil nome !

Antes que as palavras possam condená-lo assim

A morrer sem arte ou a morrer de fome,

A sucumbir na exata parte onde começa o fim !

Declama alto, poeta, a tua derradeira rima !

Antes que as palavras te condenem à prisão do mundo

Por tempo indeterminado, eis a tua sina !

O futuro é um labirinto de teu amor profundo.