Os Monges 

    Montanhas e montanhas e montanhas
              Ei-los que vão galgando.
     As sombras vãs das figuras estranhas
             Na Terra projetando.
      
     Habitam nas mansões do Imponderável
              Esses graves ascetas;
     Ocultando, talvez, no Inconsolável
             Amarguras inquietas.
      
     Como os reis Magos, trazem lá do Oriente
              As alfaias preciosas,
     Mas alfaias, surpreendentemente,
             As mais miraculosas.
      
     Nem incensos, nem mirras e nem ouros,
             Nem mirras nem incensos,
     Outros mais raros, mágicos tesouros
             Sobre todos, imensos.
      
     Pelos longínquos, sáfaros caminhos
              Que vivem percorrendo,
     A Dor, como atros, venenosos vinhos,
             Os vai deliquescendo.
      
     São os monges sombrios, solitários,
             Como esses vagos rios
     Que passam nas florestas tumultuários,
              Solitários, sombrios.
      
     São monges das florestas encantadas,
              Dos ignotos tumultos,
     Almas na Terra desassossegadas,
              Desconsolados vultos.
      
     São os monges da Graça e do Mistério,
              Faróis da Eternidade
     Iluminando todo o Azul sidéreo
              Da sagrada Saudade.
      
     -- Onde e quando acharão o seu descanso
              Eles que há tanto vagam?
     Em que dia terão esse remanso
              Os seus pés que se chagam?
      
     Quando caminham nas Regiões nevoentas,
              Da lua nos quebrantos,
     As suas sombras vagarosas, lentas
              Ganham certos encantos...
      
     Ficam nimbados pela luz da lua
              Os seus perfis tristonhos...
     Sob a dolência peregrina e crua
              Dos tantálicos sonhos.
      
     As Ilusões são seus mantos sangüíneos
              De símbolos de dores,
     De signos, de solenes vaticínios,
              De nirvânicas flores.
      
     Benditos monges imortais, benditos
              Que etéreas harpas tangem!
     Que rasgam d'alto a baixo os Infinitos,
              Infinitos abrangem.
      
     Deixai-os ir com os seus troféus bizarros
              De humano Sentimento,
     Arrebatados pelos ígneos carros
              Do augusto Pensamento.
      
     Que os leve a graça das errantes almas,
              -- Grandes asas de tudo --
     Entre as Hosanas, o verdor das palmas,
              Entre o Mistério mudo!
      
     Não importa saber que rumo trazem
              Nem se é longo esse rumo...
     Eles no Indefinido se comprazem,
              São dele a chama e o fumo.
      
     Deixai-os ir pela Amplidão a fora,
              Nos Silêncios da esfera,
     Nos esplendores da eternal Aurora
              Coroados de Quimera!
      
     Deixai-os ir pela Amplidão, deixai-os,
              No segredo profundo,
     Por entre fluidos de celestes raios
              Transfigurando o mundo.
      
     Que só os astros do Azul cintilam
              Pela sidérea rede
     Saibam que os monges, lívidos, desfilam
              Devorados de sede...
      
     Que ninguém mais possa saber as ânsias
              Nem sentir a Dolência
     Que vindo das incógnitas Distancias
              E dos monges a essência!
      
     Monges, ó monges da divina Graça,
              Lá da graça divina,
     Deu-vos o Amor toda a imortal couraça
              Dessa Fé que alucina.
      
     No meio de anjos que vos-abençoam
              Corações estremecem...
     E tudo eternamente vos perdoam
              Os que não vos esquecem.
      
     Toda a misericórdia dos espaços
              Vos oscule, surpresa...
     E abri, serenos, largamente, os braços
              A toda a Natureza! 

                                     (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   

www.dominiopublico.gov.br


João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359865