Monja Negra

É teu esse espaço, e teu todo o Infinito
Transcendente Visão das lágrimas nascida,
Bendito o teu sentir, para sempre bendito
Todo o teu divagar na Esfera indefinida!
      
Através de teu luto as estrelas meditam
Maravilhosamente e vaporosamente;
Como olhos celestiais dos Arcanjos nos fitam
Lá do fundo negror do teu luto plangente.
      
Almas sem rumo já, corações sem destino
Vão em busca de ti, por vastidões incertas...
E no teu sonho astral, mago e luciferino,
Encontram para o amor grandes portas abertas.
      
Cândida Flor que aroma e tudo purifica,
Trazes sempre contigo as sutis virgindades
E uma caudal preciosa, interminável, rica,
De raras sugestões e curiosidades.
      
As belezas do mito, as grinaldas de louro,
Os priscos ouropéis, os símbolos já vagos,
Tudo forma o painel de um velho fundo de ouro
De onde surges enfim como as visões dos lagos.
      
 Certa graça cristã, certo excelso abandono
 De Deusa que emigrou de regiões de outrora,
 Certo aéreo sentir de esquecimento e outono,
 Trazem-te as emoções de quem medita e chora.
      
És o imenso crisol, és o crisol profundo
Onde se cristalizam todas as belezas,
És o néctar da Fé, de que eu melhor me inundo.
Ó néctar divinal das místicas purezas.
      
Ó Monja soluçante! Ó Monja soluçante,
Monja do Perdão, da paz e da clemência,
Leva para bem longe este Desejo errante,
Desta febre letal toda secreta essência.
      
Nos teus golfos de Além, nos lagos taciturnos,
Nos pélagos sem fim, vorazes e medonhos,
Abafa para sempre os soluços noturnos,
E as dilacerações dos formidáveis Sonhos!
      
Não sei que Anjo fatal, que Satã fugitivo,
Que gênios infernais, magnéticos, sombrios,
Deram-te as amplidões e o sentimento vivo
Do mistério com todos os seus calafrios...
      
A lua vem te dar mais trágica amargura,
E mais desolação e mais melancolia,
E as estrelas, do céu na Eucaristia pura,
Têm a mágoa velada da Virgem Maria.
      
Ah! Noite original, noite desconsolada
Monja da solidão, espiritual e augusta,
Onde fica o teu reino, a região vedada,
A região secreta, a região vetusta?!
      
Almas dos que não tem o Refúgio supremo
De altas contemplações, dos mais altos mistérios,
Vinde sentir da Noite o Isolamento extremo,
Os fluidos imortais, angelicais, etéreos.
      
Vinde ver como são mais castos e mais belos,
Mais puros que os do dia os noturnos vapores:
Por toda a parte no ar levantam-se castelos
E nos parques do céu há quermesses de amores.
      
Volúpias, seduções, encantos feiticeiros
Andam a embalsamar teu seio tenebroso
E as águias da Ilusão, de vôos altaneiros,
Crivam de asas triunfais o horizonte onduloso.
      
Cavaleiros do Ideal, de erguida lança em riste,
Sonham, a percorrer teus velhos Paços cavos...
E esse nobre esplendor de majestade triste
Recebe outros lauréis mais bizarros e bravos.
      
Convulsivas paixões, convulsivas nevroses,
Recordações senis nos teus aspectos vagam,
Mil alucinações, mortas apoteoses
E mil filtros sutis que mornamente embriagam.
      
O grande Monja negra e transfiguradora,
Magia sem igual dos paramos eternos,
Quem assim te criou, selvagem Sonhadora,
Da carícia de céus e do negror d’infernos?
      
Quem auréolas te deu assim miraculosas
E todo o estranho assombro e todo o estranho medo,
Quem pôs na tua treva ondulações nervosas,
E mudez e silêncio e sombras e segredo?
      
Mas ah! quanto consolo andar errando, errando,
Perdido no teu Bem, perdido nos teus braços,
Nos noivados da Morte andar além sonhando,
Na unção sacramental dos teus negros Espaços!
      
Que glorioso troféu andar assim perdido
Na larga vastidão do mudo firmamento,
Na noite virginal ocultamente ungido,
Nas transfigurações do humano sentimento!
      
Faz descer sobre mim os brandos véus da calma,
Sinfonia da Dor, ó Sinfonia muda,
Voz de todo o meu Sonho, ó noiva da minh’alma,
Fantasma inspirador das Religiões de Buda.
      
O negra Monja triste, ó grande Soberana,
Tentadora Visão que me seduzes tanto,
Abençoa meu ser no teu doce Nirvana,
No teu Sepulcro ideal de desolado encanto!
      
Hóstia negra e feral da comunhão dos mortos,
Noite criadora, mãe dos gnomos, dos vampiros,
Passageira senil dos encantados portos,
Ó cego sem bordão da torre dos suspiros...
      
Abençoa meu ser, unge-o dos óleos castos,
Enche-o de turbilhões de sonâmbulas aves,
Para eu me difundir nos teus Sacrários vastos,
Para me consolar com os teus Silêncios graves.

                                                                      (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   
www.dominiopublico.gov.br



João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359848