Luar de Lágrimas
I
Nos estrelados, límpidos caminhos
Dos Céus, que um luar criva de prata e de ouro,
Abrem-se róseos e cheirosos ninhos,
E há muitas messes do bom trigo louro.
Os astros cantam meigas cavatinas,
E na frescura as almas claras gozam
Alvoradas eternal, cristalinas,
E os Dons supremos, divinais esposam.
Lá, a florescência dos Desejos
Tem sempre um novo e original perfume,
Tudo rejuvenesce dentre harpejos
E dentre palmas verdes se resume.
As próprias mocidades e as infâncias
Das coisas tem um esplendor infindo
E as imortalidades e as distancias
Estão sempre florindo e reflorindo.
Tudo aÍ se consola e transfigura
Num Relicário de viver perfeito,
E em cada uma alma peregrina e pura
Alvora o sentimento mais eleito.
Tudo aí vive e sonha o imaculado
Sonho esquisito e azul das quint'essências,
Tudo é sutil e cândido, estrelado,
Embalsamado de eternais essências.
Lá as Horas são águias, voam, voam
Com grandes asas resplandecedoras...
E harpas augustas finamente soam
As Aleluias glorificadoras.
Forasteiros de todos os matizes
Sentem ali felicidades castas
E os que essas libações gozam felizes
Deixam da terra as vastidões nefastas.
Anjos excelsos e contemplativos,
Soberbos e solenes, soberanos,
Com aspectos grandíloquos, altivos,
Sonham sorrindo, angelicais e ufanos.
Lá não existe a convulsão da Vida
Nem os tremendos, trágicos abrolhos.
Há por tudo a doçura indefinida
Dos azuis melancólicos de uns olhos.
Véus brancos de Visões resplandecentes
Miraculosamente se adelgaçam...
E recordando essas Visões diluentes
Dolências beethovínicas perpassam.
Há magos e arcangélicos poderes
Para que as existências se transformem...
E os mais egrégios e completos seres
Sonos sagrados, impolutos dormem...
E lá que vagam, que plangentes erram,
Lá que devem vagar, decerto, flóreas,
Puras, as Almas que eu perdi, que encerram
O meu Amor nas Urnas ilusórias.
Hosanas de perdão e de bondade
De celestial misericórdia santa
Abençoam toda essa claridade
Que na harmonia das Esferas canta.
Preces ardentes como ardentes sarças
Sobem no meio das divinas messes.
Lembra o vôo das pombas e das garças
A leve ondulação de tantas preces.
E quem penetra nesse ideal Domínio,
Por entre os raios das estrelas belas,
Todo o celeste e singular escrínio,
Todo o escrínio das lágrimas vê nelas.
E absorto, penetrando os Céus tão calmos,
Céus de constelações que maravilham,
Não sabe, acaso, se com os brilhos almos,
São estrelas ou lágrimas que brilham.
Mas ah! das Almas esse azul letargo,
Esse eterno, imortal Isolamento,
Tudo se envolve num luar amargo
De Saudade, de Dor, de Esquecimento!
Tudo se envolve nas neblinas densas
De outras recordações, de outras lembranças,
No doce luar das lágrimas imensas
Das mais inconsoláveis esperanças.
II
Ó mortos meus, ó desabados mortos!
Chego de viajar todos os portos.
Volto de ver inóspitas paragens,
As mais profundas regiões selvagens.
Andei errando por funestas tendas
Onde das almas escutei as lendas.
E tornei a voltar por uma estrada
Erma, na solidão, abandonada.
Caminhos maus, atalhos infinitos
Por onde só ouvi ânsias e gritos.
por toda a parte a rir o incêndio e a peste
Debaixo da Ilusão do Azul celeste.
Era também luar, luar lutuoso
Pelas estradas onde errei saudoso...
Era também luar, o luar das penas,
Brando luar das Ilusões terrenas.
Era um luar de triste morbideza
Amortalhando toda a natureza.
E eu em vão busquei, Mortos queridos,
Por entre os meus tristíssimos gemidos.
Em vão pedi os filtros dos segredos
Da vossa morte, a voz dos arvoredos.
Em vão fui perguntar ao Mar que e cego
A lei do Mar do Sonho onde navego.
Ao Mar que e cego, que não vê quem morre
Nas suas ondas, onde o sol escorre...
Em vão fui perguntar ao Mar antigo
Qual era o vosso desolado abrigo.
Em vão vos procurei cheio de chagas,
Por estradas insólitas e vagas.
Em vão andei mil noites por desertos,
Com passos, espectrais, dúbios, incertos.
Em vão clamei pelo luar a fora,
Pelos ocasos, pelo albor da aurora.
Em vão corri nos areiais terríveis
E por curvas de montes impassíveis.
Só um luar, só um luar de morte
Vagava igual a mim, com a mesma sorte.
Só um luar sempre calado e dútil,
Para a minha aflição, acerbo e inútil.
Um luar de silêncio formidável
Sempre me acompanhando, impenetrável.
Só um luar de mortos e de mortas
Para sempre a fechar-me as vossas portas.
E eu, já purgado dos terrestres
Crimes, Sem achar nunca essas portas sublimes.
Sempre fechado a chave de mistério
O vosso exílio pelo Azul sidéreo.
Só um luar de trêmulos martírios
A iluminar-me com clarões de círios.
Só um luar de desespero horrendo
Ah! sempre me pungindo e me vencendo.
Só um luar de lágrimas sem termos
Sempre me perseguindo pelos ermos.
E eu caminhando cheio de abandono
Sem atingir o vosso claro trono.
Sozinho para longe caminhando
Sem o vosso carinho venerando.
Percorrendo o deserto mais sombrio
E de abandono a tiritar de frio...
Ó Sombras meigas, ó Refúgios ternos
Ah! como penetrei tantos Infernos!
Como eu desci sem vós negras escarpas,
A Almas do meu ser, Ó Almas de harpas!
Como senti todo esse abismo ignaro
Sem nenhuma de vós por meu amparo.
Sem a benção gozar, serena e doce,
Que o vosso Ser aos meus cuidados trouxe.
Sem ter ao pe de mim o astral cruzeiro
Do vosso grande amor alvissareiro.
Por isso, ó sombras, sombras impolutas,
Eu ando a perguntar as formas brutas.
E ao vento e ao mar e aos temporais que ululam
Onde é que esses perfis se crepusculam.
Caminho, a perguntar, em vão, a tudo,
E só vejo um luar soturno e mudo.
Só contemplo um luar de sacrifícios,
De angústias, de tormentas, de cilícios.
E sem ninguém, ninguém que me responda
Tudo a minh’alma nos abismos sonda.
Tudo, sedenta, quer saber, sedenta
Na febre da Ilusão que mais aumenta.
Tudo, mas tudo quer saber, não cessa
De perscrutar e a perscrutar começa.
De novo sobe e desce escadarias
D’estrelas, de mistérios, de harmonias.
Sobe e não cansa, sobe sempre, austera,
Pelas escadarias da Quimera.
Volta, circula, abrindo as asas volta
E os vôos de águia nas Estrelas solta.
Cada vez mais os vôos no alto apruma
Para as etéreas amplidões da Bruma.
E tanta forca na ascensão desprende
Da envergadura, a proporção que ascende...
Tamanho impulso, colossal, tamanho
Ganha na Altura, no Esplendor estranho.
Tanto os esforços em subir concentra,
Em tantas zonas de Prodígios entra.
Nas duas asas tal vigor supremo
Leva, através de todo o Azul extremo,
Que parece cem águias de atras garras
Com asas gigantescas e bizarras.
Cem águias soberanas, poderosas
Levantando as cabeças fabulosas.
E voa, voa, voa, voa imersa
Na grande luz dos Paramos dispersa.
E voa, voa, voa, voa, voa
Nas Esferas sem fim perdida a toa.
Ate que exausta da fadiga e sonho
Nessa vertigem, nesse errar medonho.
Ate que tonta de abranger Espaços,
Da Luz nos fulgidíssimos abraços.
Depois de voar a tão sutis Encantos,
Vendo que as Ilusões a abandonaram,
Chora o luar das lágrimas, os prantos
Que pelos Astros se cristalizaram!
(de “Faróis”)
Créditos:
www.biblio.com.br/
www.bibvirt.futuro.usp.br
www.dominiopublico.gov.br
I
Nos estrelados, límpidos caminhos
Dos Céus, que um luar criva de prata e de ouro,
Abrem-se róseos e cheirosos ninhos,
E há muitas messes do bom trigo louro.
Os astros cantam meigas cavatinas,
E na frescura as almas claras gozam
Alvoradas eternal, cristalinas,
E os Dons supremos, divinais esposam.
Lá, a florescência dos Desejos
Tem sempre um novo e original perfume,
Tudo rejuvenesce dentre harpejos
E dentre palmas verdes se resume.
As próprias mocidades e as infâncias
Das coisas tem um esplendor infindo
E as imortalidades e as distancias
Estão sempre florindo e reflorindo.
Tudo aÍ se consola e transfigura
Num Relicário de viver perfeito,
E em cada uma alma peregrina e pura
Alvora o sentimento mais eleito.
Tudo aí vive e sonha o imaculado
Sonho esquisito e azul das quint'essências,
Tudo é sutil e cândido, estrelado,
Embalsamado de eternais essências.
Lá as Horas são águias, voam, voam
Com grandes asas resplandecedoras...
E harpas augustas finamente soam
As Aleluias glorificadoras.
Forasteiros de todos os matizes
Sentem ali felicidades castas
E os que essas libações gozam felizes
Deixam da terra as vastidões nefastas.
Anjos excelsos e contemplativos,
Soberbos e solenes, soberanos,
Com aspectos grandíloquos, altivos,
Sonham sorrindo, angelicais e ufanos.
Lá não existe a convulsão da Vida
Nem os tremendos, trágicos abrolhos.
Há por tudo a doçura indefinida
Dos azuis melancólicos de uns olhos.
Véus brancos de Visões resplandecentes
Miraculosamente se adelgaçam...
E recordando essas Visões diluentes
Dolências beethovínicas perpassam.
Há magos e arcangélicos poderes
Para que as existências se transformem...
E os mais egrégios e completos seres
Sonos sagrados, impolutos dormem...
E lá que vagam, que plangentes erram,
Lá que devem vagar, decerto, flóreas,
Puras, as Almas que eu perdi, que encerram
O meu Amor nas Urnas ilusórias.
Hosanas de perdão e de bondade
De celestial misericórdia santa
Abençoam toda essa claridade
Que na harmonia das Esferas canta.
Preces ardentes como ardentes sarças
Sobem no meio das divinas messes.
Lembra o vôo das pombas e das garças
A leve ondulação de tantas preces.
E quem penetra nesse ideal Domínio,
Por entre os raios das estrelas belas,
Todo o celeste e singular escrínio,
Todo o escrínio das lágrimas vê nelas.
E absorto, penetrando os Céus tão calmos,
Céus de constelações que maravilham,
Não sabe, acaso, se com os brilhos almos,
São estrelas ou lágrimas que brilham.
Mas ah! das Almas esse azul letargo,
Esse eterno, imortal Isolamento,
Tudo se envolve num luar amargo
De Saudade, de Dor, de Esquecimento!
Tudo se envolve nas neblinas densas
De outras recordações, de outras lembranças,
No doce luar das lágrimas imensas
Das mais inconsoláveis esperanças.
II
Ó mortos meus, ó desabados mortos!
Chego de viajar todos os portos.
Volto de ver inóspitas paragens,
As mais profundas regiões selvagens.
Andei errando por funestas tendas
Onde das almas escutei as lendas.
E tornei a voltar por uma estrada
Erma, na solidão, abandonada.
Caminhos maus, atalhos infinitos
Por onde só ouvi ânsias e gritos.
por toda a parte a rir o incêndio e a peste
Debaixo da Ilusão do Azul celeste.
Era também luar, luar lutuoso
Pelas estradas onde errei saudoso...
Era também luar, o luar das penas,
Brando luar das Ilusões terrenas.
Era um luar de triste morbideza
Amortalhando toda a natureza.
E eu em vão busquei, Mortos queridos,
Por entre os meus tristíssimos gemidos.
Em vão pedi os filtros dos segredos
Da vossa morte, a voz dos arvoredos.
Em vão fui perguntar ao Mar que e cego
A lei do Mar do Sonho onde navego.
Ao Mar que e cego, que não vê quem morre
Nas suas ondas, onde o sol escorre...
Em vão fui perguntar ao Mar antigo
Qual era o vosso desolado abrigo.
Em vão vos procurei cheio de chagas,
Por estradas insólitas e vagas.
Em vão andei mil noites por desertos,
Com passos, espectrais, dúbios, incertos.
Em vão clamei pelo luar a fora,
Pelos ocasos, pelo albor da aurora.
Em vão corri nos areiais terríveis
E por curvas de montes impassíveis.
Só um luar, só um luar de morte
Vagava igual a mim, com a mesma sorte.
Só um luar sempre calado e dútil,
Para a minha aflição, acerbo e inútil.
Um luar de silêncio formidável
Sempre me acompanhando, impenetrável.
Só um luar de mortos e de mortas
Para sempre a fechar-me as vossas portas.
E eu, já purgado dos terrestres
Crimes, Sem achar nunca essas portas sublimes.
Sempre fechado a chave de mistério
O vosso exílio pelo Azul sidéreo.
Só um luar de trêmulos martírios
A iluminar-me com clarões de círios.
Só um luar de desespero horrendo
Ah! sempre me pungindo e me vencendo.
Só um luar de lágrimas sem termos
Sempre me perseguindo pelos ermos.
E eu caminhando cheio de abandono
Sem atingir o vosso claro trono.
Sozinho para longe caminhando
Sem o vosso carinho venerando.
Percorrendo o deserto mais sombrio
E de abandono a tiritar de frio...
Ó Sombras meigas, ó Refúgios ternos
Ah! como penetrei tantos Infernos!
Como eu desci sem vós negras escarpas,
A Almas do meu ser, Ó Almas de harpas!
Como senti todo esse abismo ignaro
Sem nenhuma de vós por meu amparo.
Sem a benção gozar, serena e doce,
Que o vosso Ser aos meus cuidados trouxe.
Sem ter ao pe de mim o astral cruzeiro
Do vosso grande amor alvissareiro.
Por isso, ó sombras, sombras impolutas,
Eu ando a perguntar as formas brutas.
E ao vento e ao mar e aos temporais que ululam
Onde é que esses perfis se crepusculam.
Caminho, a perguntar, em vão, a tudo,
E só vejo um luar soturno e mudo.
Só contemplo um luar de sacrifícios,
De angústias, de tormentas, de cilícios.
E sem ninguém, ninguém que me responda
Tudo a minh’alma nos abismos sonda.
Tudo, sedenta, quer saber, sedenta
Na febre da Ilusão que mais aumenta.
Tudo, mas tudo quer saber, não cessa
De perscrutar e a perscrutar começa.
De novo sobe e desce escadarias
D’estrelas, de mistérios, de harmonias.
Sobe e não cansa, sobe sempre, austera,
Pelas escadarias da Quimera.
Volta, circula, abrindo as asas volta
E os vôos de águia nas Estrelas solta.
Cada vez mais os vôos no alto apruma
Para as etéreas amplidões da Bruma.
E tanta forca na ascensão desprende
Da envergadura, a proporção que ascende...
Tamanho impulso, colossal, tamanho
Ganha na Altura, no Esplendor estranho.
Tanto os esforços em subir concentra,
Em tantas zonas de Prodígios entra.
Nas duas asas tal vigor supremo
Leva, através de todo o Azul extremo,
Que parece cem águias de atras garras
Com asas gigantescas e bizarras.
Cem águias soberanas, poderosas
Levantando as cabeças fabulosas.
E voa, voa, voa, voa imersa
Na grande luz dos Paramos dispersa.
E voa, voa, voa, voa, voa
Nas Esferas sem fim perdida a toa.
Ate que exausta da fadiga e sonho
Nessa vertigem, nesse errar medonho.
Ate que tonta de abranger Espaços,
Da Luz nos fulgidíssimos abraços.
Depois de voar a tão sutis Encantos,
Vendo que as Ilusões a abandonaram,
Chora o luar das lágrimas, os prantos
Que pelos Astros se cristalizaram!
(de “Faróis”)
Créditos:
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