Inexorável 

    Ó meu Amor, que já morreste,
     Ó meu Amor, que morta estás!
     Lá nessa cova a que desceste,
     Ó meu Amor, que já morreste,
     Ah! nunca mais florescerás?!
      
     Ao teu esquálido esqueleto,
     Que tinha outrora de uma flor
     A graça e o encanto do amuleto;
     Ao teu esquálido esqueleto
     Não voltará novo esplendor?!
      
     E ah! o teu crânio sem cabelos,
     Sinistro, seco, estéril, nu...
     (Belas madeixas dos meus zelos!)
     E ah! o teu crânio sem cabelos
     Há de ficar como estás tu?!
      
     O teu nariz de asa redonda,
     De linhas límpidas, sutis
     Oh! há de ser na lama hedionda
     O teu nariz de asa redonda
     Comido pelos vermes vis?!
      
     Os teus dois olhos -- dois encantos --
     De tudo, enfim, maravilhar,
     Sacrário augusto dos teus prantos,
     Os teus dois olhos -- dois encantos --
     Em dois buracos vão ficar?!
      
     A tua boca perfumosa
     O céu do néctar sensual
      Tão casta, fresca e luminosa,
     A tua boca perfumosa
     Vai ter o cancro sepulcral?!
      
     As tuas mãos de nívea seda,
     De veias cândidas e azuis
     Vão se extinguir na noite treda
     As tuas mãos de nívea seda,
     Lá nesses lúgubres pauis?!
      
     As tuas tentadoras pomas
     Cheias de um magnífico elixir
     De quentes, cálidos aromas
     As tuas tentadoras pomas
     Ah! nunca mais hão de florir?!
      
     A essência virgem da beleza,
     O gesto, o andar, o sol da voz
     Que Iluminava de pureza,
     A essência virgem da beleza
     Tudo acabou no horror atroz?!
      
     Na funda treva dessa cova,
     Na inexorável podridão
     Já te apagaste, Estrela nova,
     Na funda treva dessa cova
     Na negra Transfiguração! 

                        (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   

www.dominiopublico.gov.br


João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359822