Flor Perigosa

    Ah! quem, trêmulo e pálido, medita
     No teu perfil de áspide triste, triste,
     Não sabe em quanto abismo essa infinita
     Tristeza amarga singular consiste.
      
     Tens todo o encanto de uma flor, o encanto
     Secreto de uma flor de vago aroma...
     Mas não sei que de morno e de quebranto
     Vem, lasso e langue, dessa negra coma.
      
     És das origens mais desconhecidas,
     De uma longínqua e nebulosa infância.
     A visão das visões indefinidas,
     De atra, sinistra mórbida elegância.
      
     Como flor, entretanto, és bem amarga!
     Pólens celestes o teu ser inundam,
     Mas ninguém sabe a onda nervosa e larga
     Dos insetos mortais que te circundam.
      
     Quem teu aroma de mulher aspira
     Fica entre ânsias de túmulo fechado...
     Sente vertigens de vulcão, delira
     E morre, sutilmente envenenado.
      
     Teu olhar de fulgências e de treva,
     Onde as volúpias a pecar se ajustam,
     Guarda um mistério que envilece e eleva,
     Causa delíquios e emoções que assustam.
      
     És flor, mas como flor és perigosa,
     Do mais sombrio e tétrico perigo...
     Fenômenos fatas de luz ansiosa
     Vão pelas noites segredar contigo.
      
     Vão segredar que és feia e que és estranha
     Sendo feia, mas sendo extravagante,
     De enorme, de esquisita, de tamanha
     Influência de eclipse radiante...
      
     Sei! não nasceste sob a luz que ondeia
     Na beleza e nos astros da saúde;
     Mas sendo assim, morbidamente feia,
     O teu ser feia torna-se virtude.
      
     És feia e doente, surges desse misto,
     Da exótica, da insana, da funesta
     Auréola ideal dos martírios de Cristo
     Naquela Dor absurdamente mesta.
      
     Vens de lá, vens de 1á -- fundos remotos
     Adelgaçando como os véus de um rio...
     Abrindo do magoado e velho lótus
     Do sentimento, todo o sol doentio...
      
     Mas quem quiser saber o quanto encerra
     Teu ser, de mais profundo e mais nevoento,
     Venha aspirar-te no teu vaso -- a Terra --
     Ó perigosa flor do esquecimento!

                                        (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   

www.dominiopublico.gov.br


João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359787