Cabelos 
                                     I
     Cabelos! Quantas sensações ao vê-los!
     Cabelos negros, do esplendor sombrio,
     Por onde corre o fluido vago e frio
     Dos brumosos e longos pesadelos...
      
     Sonhos, mistérios, ansiedades, zelos,
     Tudo que lembra as convulsões de um rio
     Passa na noite cálida, no estio
     Da noite tropical dos teus cabelos.
      
     Passa através dos teus cabelos quentes,
     Pela chama dos beijos inclementes,
     Das dolências fatais, da nostalgia...
      
     Auréola negra, majestosa, ondeada,
     Alma da treva, densa e perfumada,
     Lânguida Noite da melancolia!
                    
      
                               Olhos
                                 II
     A Grécia d’Arte, a estranha claridade
     D’aquela Grécia de beleza e graça,
     Passa, cantando, vai cantando e passa
     Dos teus olhos na eterna castidade.
      
     Toda a serena e altiva heroicidade
     Que foi dos gregos a imortal couraça,
     Aquele encanto e resplendor de raça
     Constelada de antiga majestade,
      
     Da Atenas flórea toda o viço louro,
     E as rosas e os mirtais e as pompas d’ouro,
     Odisséias e deuses e galeras...
      
     Na sonolência de uma lua aziaga,
     Tudo em saudade nos teus olhos vaga,
     Canta melancolias de outras eras!...
      
 
                            Boca
                             III
     Boca viçosa, de perfume a lírio,
     Da límpida frescura da nevada,
     Boca de pompa grega, purpureada,
     Da majestade de um damasco assírio.
      
     Boca para deleites e delírio
     Da volúpia carnal e alucinada,
     Boca de Arcanjo, tentadora e arqueada,
     Tentando Arcanjos na amplidão do Empírio,
      
     Boca de Ofélia morta sobre o lago,
     Dentre a auréola de luz do sonho vago
     E os faunos leves do luar inquietos...
      
     Estranha boca virginal, cheirosa,
     Boca de mirra e incensos, milagrosa
     Nos filtros e nos tóxicos secretos...
  
 
                           Seios
                            IV
     Magnólias tropicais, frutos cheirosos
     Das árvores do Mal fascinadoras,
     Das negras mancenilhas tentadoras,
     Dos vagos narcotismos venenosos.
      
     Oásis brancos e miraculosos
     Das frementes volúpias pecadoras
     Nas paragens fatais, aterradoras
     Do Tédio, nos desertos tenebrosos...
      
     Seios de aroma embriagador e langue,
     Da aurora de ouro do esplendor do sangue,
     A alma de sensações tantalizando.
      
     Ó seios virginais, tálamos vivos
     Onde do amor nos êxtases lascivos
     Velhos faunos febris dormem sonhando...
 
 
                              Mãos
                                 V
     Ó Mãos ebúrneas, Mãos de claros veios,
     Esquisitas tulipas delicadas,
     Lânguidas Mãos sutis e abandonadas,
     Finas e brancas, no esplendor dos seios.
      
     Mãos etéricas, diáfanas, de enleios,
     De eflúvios e de graças perfumadas,
     Relíquias imortais de eras sagradas
     De amigos templos de relíquias cheios.
      
     Mãos onde vagam todos os segredos,
     Onde dos ciúmes tenebrosos, tredos,
     Circula o sangue apaixonado e forte.
      
     Mãos que eu amei, no féretro medonho
     Frias, já murchas, na fluidez do Sonho,
     Nos mistérios simbólicos da Morte!
      
 
                              Pés
                              VI
     Lívidos, frios, de sinistro aspecto,
     Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
     Inteiriçados, dentre a auréola vaga
     Do mistério sagrado de um afeto.
      
     Pés que o fluido magnético, secreto
     Da morte maculou de estranha e maga
     Sensação esquisita que propaga
     Um frio n’alma, doloroso e inquieto...
      
     Pés que bocas febris e apaixonadas
     Purificaram, quentes, inflamadas,
     Com o beijo dos adeuses soluçantes.
      
     Pés que já no caixão, enrijecidos,
     Aterradoramente indefinidos
     Geram fascinações dilacerantes!
      
 
                           Corpo
                            VII
     Pompas e pompas, pompas soberanas
     Majestade serene da escultura
     A chama da suprema formosura,
     A opulência das púrpuras romanas.
      
     As formas imortais, claras e ufanas,
     Da graça grega, da beleza pura,
     Resplendem na arcangélica brancura
     Desse teu corpo de emoções profanas.
      
     Cantam as infinitas nostalgias,
     Os mistérios do Amor, melancolias,
     Todo o perfume de eras apagadas...
      
     E as águias da paixão, brancas, radiantes,
     Voam, revoam, de asas palpitantes,
     No esplendor do teu corpo arrebatadas!

                                           (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   

www.dominiopublico.gov.br


João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359747