Odeio cinza.
Há vida nesse concreto brando,
todo cinza e descuidado?
onde nada realmente se enquadra,
só adapta e responde –
as perguntas não alcançam.
Onde há luz que não é nossa
e as águas que correm pelos cantos
são a bile da nossa existência
e correm sujos por onde passam
deixando ratos e rastros.
Falsos rios, falsas águas
falsas farsas, falsa e tão amarga,
mas a vida não é falsa
e uma hora ela acaba.
O sol brilha pouco e,
quando brilha,
não há tempo suficiente de vê-lo –
não é ele que se esconde
somos nós que nos escondemos dele.
As manhãs enganam quando são claras
quem aqui mora sabe que isso não é nada.
Convivemos com o cinza
agora e sempre.
Gente bonita não falta,
mas,
será que ainda há algo
por dentro dessa bela casca?
Ou só um vazio assombra
o que poderia ter sido tanta coisa.
E não se engane,
há gente de bom coração,
são muito fortes aqueles que sobrepõem
todo esse cinza
e a falta de paixão.
Com essa gente que se amarga,
com o tempo que aqui passa
gente que já foi doce,
os olhos enxergam menos
e a vida, eu já disse,
em algum momento, acaba.
Não há vida nesse concreto brando
todo cinza e machucado,
tão descolorido e remendado...
quero logo sair daqui
antes que não haja vida nesse meu corpo
e minha alma seja só um estorvo
para as regras desse jogo.
E o lugar que descrevo é como esse poema,
direto,
sem graça,
quase nada rima,
mas o tempo passa.
E então ele acaba.