DE ALÉM MAR
Singraram nas ondas gemidos latentes
em escuros porões, presos em correntes
Sepultando na distância as penas e dores
Lamentos cantados, murmúrios, clamores
Saudosos da pátria que no horizonte sumiu
Arrancados dos braços que um dia os pariu
São Pedro, província desígnio de sorte
Disputada por guerrilhas de sul a norte
A nova morada abrigou do relento
O sangue novo a caminho de Sacramento
Feriram os pés pisoteando rosetas
Puras almas alvas sob a pele preta
Molares sadios, canelas franzinas
Viraram moedas pras “aves rapinas”
Entregando a vida nas mãos do destino
Na nova querência em pagos sulinos
Rasgando o chão no cabo da enxada
No sulco da terra a liberdade foi sepultada
Ao sal do suor e da carne charqueada
Cresceram cidades romperam-se estradas
Enquanto na senzala a pátria renascia
No ritmo da dança que na noite se perdia
Lenitivos pras dores do tronco, as lembranças
Perpetuaram-se no tempo, - preciosa herança
O assovio da chibata cortando a carne e o ar
O medo da dor fazendo a arte brotar
O vermelho do “sangue” com negro ao fundo
Matizes de raças mesclando dois mundos
Traçados em linhas adornando tambores
Tingindo em bordados uma aquarela de cores
De além mar veio a fé no candomblé e seus ritos
Curando feridas e sufocando os gritos
Semeando sementes colhidas das vagens
O caldo preto servido da terra selvagem
Das cantilenas entoadas à luz do candeeiro
À espera do sonho nas mãos dos negros lanceiros
Miscigenando com a fibra pampeana o espírito de luta
De uma nação de bombacha brotada da terra bruta
No traço da pena a leveza da mão pôs fim ao martírio
O dia raiou à luz da realidade, ofuscado ao delírio.
Do ideal de um trabalho livre, cultivado em Palmares
Legado pra o mundo do povo que veio de além mares.