A ode infinita (Maragall)

Tinha começado uma ode

que não se pode acabar mais,

dia e noite foi ma ditando

tudo o que canta na ventania,

tudo o que no espaço brilha.

Foi entoá-la minha infância

entre os sonhos de amor puro;

decaída e em desaprumo,

é minha juventude que a arruma

com compasso bem mais seguro.

Em seguida, com voz mais forte,

ditaram-me novos cantos;

mas, cada ano que leva o tempo

vejo um outro verso morto

e perdidas as consoantes.

Já não sei como começava

nem sei como acabará,

porque tenho a mente escrava,

duma força que esbrava

ditando-ma sem parar.

E assim sempre, ao acaso,

sem saber se combina ou não,

vai dando à mão insegura

gritos de gozo, planos de amargura,

hinos de alta adoração.

Somente desejo, por minha glória,

que, caso alguém esta ode saiba

à hora extrema de minha Moira,

que ma diga de memória,

de les a lés, palavra por palavra.

Dize-me ao pé da orelha

revelando-me fio por fio

da ignota maravilha

que para a vida nos aparelha

o tecido firme e sutil

E saberei se no que pensas,

-ó poeta extasiado!-

se há um eco das cadências

do pássaro de asas imensas

que se aninha na eternidade.

Danilo da Costa Leite
Enviado por Danilo da Costa Leite em 11/11/2011
Reeditado em 25/11/2011
Código do texto: T3330348
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.