Brasiliense, ipês e bentivis
Estirado nas pedras
Um calango pastoreia borboletas ao sol
Um sabiá empoleirado
Anuncia chuvas numa goiabeira
Cigarras festejam, mangueiras amarelam!
O cerrado é um milagre que o brasiliense
Não vê. Não escuta. Não cheira.
O brasiliense está ocupado com coisas úteis.
O brasiliense lê o Correio
O brasiliense se liga na tevê
O brasiliense assina, carimba
Bebe coca-cola, arrota e peida no sofá
O brasiliense ficou sabendo (pela tevê)
Que em Ceilândia o hospital não presta
A escola não presta, a vida não presta.
Ficou sabendo o brasiliense (pela tevê)
Que a novela das sete vai começar às oito
E que a novela das oito vai começar às dez.
O brasiliense sonha com 6 mil na poupança.
8, 10, 20 mil, o brasiliense quer ser funcionário público
Passar umas férias nas Oropa, levar os filhos à Disney
Comprar dois imóveis e cascar fora, pra longe, bem longe.
O brasiliense diz pra filha: - filha, vai estudar pro concurso!
A filha diz pro amigo: - não tenho tempo, estou estudando...
Enquanto isso, ignorado pelos automóveis que cortam os Eixos
um ipê amarelo sorri em plenomeio-dia.
E um pássaro que por ali avoava, viu e exclamou: bentivi! bentivi!
Nisso o calango viu. As borboletas viram.
O sabiá viu. Flora, fauna, índios - todo mundo viu.
(o brasiliense não, o brasiliense estava ocupado demais para bentivis).
***