Calar

O que falar dos 34 anos,

se a morte ronda e o amanhã é incerto?

Melhor voltar a cabeça um pouco para o lado,

antes de perder o que se solta da mão.

Unir o passado a esse sorriso tolo,

da timidez fingida de simpatia,

correr descalço e entender um pouco mais

daquilo que me faz tão pequeno.

Tão pequeno a ponto de não ver o mundo,

de entregar tão fácil o que já é meu por convicção,

e perder o senso quando a noite chega,

porque ela não pode ser contida.

Nem numa porção de luzes combalidas.

O que é sagrado pode ser inventado,

pode ser escrito, o pode ser contado,

pode ser medido, pode ser calado,

pode ser pequeno, pode ser pesado.

Por isso as dores do que não é dito,

da medida calma ante o fim das coisas.

Encanto os olhos de quem me olha,

persigo a solidão de quem me entende,

escrevo as flores com caligrafia doente,

para não precisar entender o que me escapa.

O que pode contra o mundo,

feito das coisas e dos homens,

eu que sou meio móvel, meio adubo,

o ser rabugento de fala rouca,

cansado de tudo e imitador da vida?

São milhares de mortes por dia,

em um coração cicatrizado,

onde a flora amarela é da amizade,

depois de recolorida por tantas certezas.

Se o que reconheço por esta sala vazia,

são fantasmas de meus antigos rabiscos,

lamento a métrica confusa

e o pensamento ausente.

Vasos gregos e insetos inconvenientes,

não podem ter alma no mundo da gente.

Porque só se entende e se eterniza,

no piscar de um momento,

quem da boca arranca sorrisos fáceis

de tantos iguais tão enganados.

Esses são tempos de despedida, mas sem pavor,

tempos em que a bomba não veio sobre nós.

por isso se ocupar de tentas miniaturas,

tantas filigranas sobrepostas e iluminadas,

por um sol que foge no céu de todos

que querem descrever seus raios entediados.

Vão se os palácios e a geometria duvidosa,

e os corpos retesados que sofrem pela escrita.

Sua arte se perdeu agonizando,

por uma viela torta ou sala escura.

Sobrou meu pouco interesse

e meus olhos de pouca misericórdia

pela turba que passa lá fora.