Celebro a mim mesmo, e canto a mim mesmo,
e o que eu assumo deveis assumir,
pois cada átomo que me pertence a vós pertence também.
Folgo e convido minha alma,
deito-me e folgo à vontade vendo
uma lança de capim no estio.
Minha língua, cada átomo do meu sangue,
formado deste solo, deste ar,
nascido aqui de pais aqui nascidos de pais semelhantes nisso e os pais deles também,
eu, agora com trinta e sete anos, começo em plena saúde, contando não parar até à morte.
Crenças e escolas em potencial,
afastadas um pouquinho que basta para o que são,
embora não esquecidas,
dou guarida ao bem e ao mal,
permito-me falar em qualquer circunstância,
natureza seu confronto com a força original.
Folga comigo na grama, afrouxa o nó da garganta,
nem palavras nem música nem rimas estou querendo, nem costume nem lição, nem mesmo do melhor,
quero só o acalanto, o murmúrio de tua voz valvar.
Eu creio em ti minha alma, o outro que sou não deve
rebaixar-se a ti, e nem precisas rebaixar-te ao outro.
Penso em como uma vez nos espichamos
deitados certa manhã de verão transparente,
como forçaste a cabeça nos meus quadris
e gentilmente te viraste sobre mim
e me rasgaste a camisa no osso do peito
e enfiaste a língua em meu coração nu
e foste assim até sentir-me a barba
e foste assim até sentir-me os pés.
Docemente cresceu e em torno a mim se espalhou a paz
E conhecimento além de todo argumento da terra,
e eu sei que a mão de Deus é a promessa da minha,
e sei que o espírito de Deus é o irmão do meu
e que todos os homens já nascidos também
são meus irmãos,
e as mulheres irmãs e amantes minhas,
e que um reforço da criação é o amor,
e ilimitadas são as folhas secas ou caindo nos campos,
e acastanhadas formigas n0s buraquinhos
por baixo delas,
placas de limo na cerca bichada, pilhas de pedras,
flores silvestres, musgo e espinheiro.
Alguém terá julgado uma sorte ter nascido?
Apresso-me a informar a ele ou ela
que sorte igual é morrer, e isto sei eu.
Eu passo a morte com os que estão morrendo
e o nascimento com os bebês recém-lavados,
e não me sinto contido entre o chapéu e os sapatos,
e manuseio objetos de diversas formas,
nem dois iguais e cada qual melhor,
a terra boa e boas as estrelas,
bom tudo o que vai por elas.
Não sou uma terra nem função de terra alguma,
sou o colega e companheiro de pessoas,
todas elas tão imortais e inesgotáveis como eu próprio
(não sabem quão imortais, mas eu sei).
Cada espécie por si e para si mesma,
para mim macho e fêmea,
para mim os que já foram meninos e amam mulheres,
a mim o homem que tem seu orgulho
e sabe como doi ser desconsiderado,
a mim a namorada e a virgem velha,
as mães e as mães de mães,
a mim os lábios que já deram riso,
olhos que já deram lágrima,
a mim crianças e criadores de crianças.
Descubram-se! Não são culpados, para mim,
nem maus, nem postos à margem,
vejo através da roupa de lã ou de algodão se sim ou não,
e fico em volta, pertinaz, aquisitivo, infatigável,
e não posso ser mandado embora.
Vinte e oito moços tomando banho na praia,
vinte e oito moços e todos tão amigáveis;
vinte e oito anos de uma vida de mulher
e todos tão solitários.
E dona da linda casa na subida do barranco,
ela se esconde simpática e bem vestida
por detrás das bandeiras da janela.
Qual o moço de que ela gosta mais?
Ah o mais caseiro de todos para ela é o mais bonito.
Para onde ides saindo, minha senhora?
Pois eu vos estou vendo, mergulhais naquelas águas,
apesar de parada feito um pau em vosso quarto.
Dançando e rindo na linha da praia vem o banhista
vigésimo-nono, os demais não a entreviram
mas ela os viu e adorou.
As barbas dos homens moços brilhavam
de gotas d'água,
caindo-lhes dos compridos cabelos,
pequenos fios d'água lhe escorriam pelo corpo todo.
Uma invisível mão também passava pelos corpos deles,
descendo trêmula das frontes e quadris.
Os moços nadam de costas, claras barrigas ao sol,
sem indagarem quem estende a mão para eles,
eles não sabem quem enche o peito
e desiste de sobrancelhas curvadas e vacilantes,
nem lhes ocorre que estejam salvando alguém
com a água que respingam.
Estes são realmente os pensamentos de todos os homens
Em qualquer tempo e lugar, não são originais meus,
se eles não são tão vossos quanto meus
não querem dizer nada, ou quase nada,
se não forem a pergunta e a solução da pergunta,
não significa nada,
se não se põem tão perto quanto distantes parecem,
não valem nada.
Esta é a relva que cresce onde quer que haja terra
e haja água,
este é o ar comum que banha o globo.
Com música forte eu venho,
com minhas cornetas e meus tambores,
não toco marchas só para os vencedores consagrados,
toco marchas também para pessoas batidas
e conquistadas.
Já não ouviste dizer que era bom ganhar o dia?
Eu digo que perder também é bom,
batalhas são perdidas
com o mesmo espírito com que são ganhas.
Rufo e bato pelos mortos,
sopro nas minhas embocaduras o que de mais alto
e de mais alegre posso por eles.
Vivas àqueles que fracassaram!
E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar!
E àqueles que em pessoa afundaram no mar!
E a todos os generais que perderam nas manobras
e foram todos heróis!
E ao sem número dos heróis desconhecidos
equivalentes aos heróis maiores que se conhecem!
Quem é que vai por aí - inquieto, tosco, místico, nu?
Como é que eu extraio força da carne que como?
Que é um homem, afinal? Que sou eu? Que sois vós?
Tudo que aponto de meu podeis tomar como vosso,
não sendo o tempo perdido a escutar-me.
Não choro aquilo que o mundo chora demais,
que os meses sejam de vazio e o chão de lama
e podridão.
Gemendo e se acovardando cheio de pó para inválidos,
o conformismo fica bem para os de quarto grau;
eu ponho como quero o meu chapéu,
portas adentro ou fora.
Por que haveria eu de rezar?
Por que haveria de exibir respeito e fazer cerimônias?
Tendo inquirido até os estratos,
analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores e calculado de acordo,
eu não encontro substância mais doce
do que a ligada com meus próprios ossos.
Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem mais nem menos um grão de cevada,
e o bem ou mal que digo de mim mesmo eu digo deles.
Sei que sou sólido e são,
para mim convergindo fluem perpetuamente coisas
do universo,
todas estão escritas para mim e tenho de saber
o que a escrita significa.
Sei que não tenho morte,
sei que esta minha órbita não pode ser riscada
por um compasso de carpintaria,
sei que não hei de passar assim como verruga de criança
tirada à noite com alfinete queimado.
Eu sei que sou soberbo,
não perturbo meu espírito para mostrar seu valor
ou para ser entendido,
vejo que as leis elementares
nunca apresentam desculpas.
(Eu reconheço que, afinal de contas,
não procedo com orgulho
além da altura a que ergo minha casa.)
Existo como sou, isso é bastante;
se nenhum outro no mundo toma conhecimento,
eu me sento contente,
e se cada um e todos tomam conhecimento,
eu me sento contente.
Há um mundo que toma conhecimento
e que é de longe o maior para mim -
o mundo de mim mesmo;
se a mim mesmo eu chegar hoje, ou daqui a dez mil
ou a dez milhões de anos,
posso alcançá-la agora bem disposto
ou com igual disposição posso esperar.
O lugar para meus pés está lavrado
e ajustado em granito;
eu me rio do que chamais dissolução,
conheço bem a amplitude do tempo.
Eu sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma,
as delícias do céu estão em mim
e os horrores do inferno estão em mim,
o primeiro eu enxerto e amplio em meu redor,
o segundo eu traduzo em nova língua.
Eu sou o poeta da mulher assim como do homem,
e digo que tanta grandeza existe no ser mulher
como no ser homem,
e digo que não há nada maior do que a mãe de homens.
Canto o cântico da expansão e orgulho,
já tivemos esquivanças e críticas suficientes,
eu demonstro que tamanho é apenas evolução.
Já ultrapassastes os outros? Sois acaso o Presidente?
Que ninharia: farão mais do que chegar
e ainda passarão à frente.
Eu sou aquele que vai com a noite tenra e crescente,
invoco a terra e o mar meio tomados pela noite.
Aperta mais, noite de peito nu!
Aperta mais, noite nutriz magnética!
Noite dos ventos do sul - noite das poucas
estrelas grandes!
Noite ainda a se curvar - alucinada noite nua de verão.
Sorri, ó terra voluptuosa de hálito frio!
Terra das árvores dormentes e líquidas!
Terra do pôr-de-sol longe - terra dos montes
cobertos de névoa!
Terra do vítreo gotejar da lua cheia apenas tinta de azul!
Terra do brilho e do sombrio encontro
nas enchentes do rio!
Terra do límpido cinza das nuvens
mais brilhantes e claras
Por meu gosto!
Terra dos grandes lances encontrada - rica terra
de peito de maçã!
Sorri, pois vem chegando teu amante.
Pródiga, amor me tens dado - portanto eu te dou amor!
Oh indizível apaixonado amor.
Interminável desdobrar das palavras dos tempos!
Por mim uma palavra bem moderna - a palavra Massa.
Uma palavra da fé que nunca se altera,
aqui ou daqui em diante é sempre a mesma,
entendo o Tempo em termos absolutos.
Ela é a única sem mancha, envolve e completa tudo,
a surpreendente maravilha mística
sozinha completa tudo.
Aceito a Realidade e não ouso interrogá-la,
impregnação de materialismo do princípio ao fim.
Viva a ciência positiva! Viva a experiência exata!
Tomai a planta da pedra junto com cedro
e ramos de lilás,
aqui está o lexicógrafo, aqui o químico,
aqui o que fez uma gramática de velhos pergaminhos,
aqui marujos que levaram seu navio
por mares perigosos e ignorados,
aqui o geólogo, aqui o que maneja o bisturi,
e aqui um matemático.
Cavalheiros, são sempre para vós as honras iniciais!
Vossos feitos são úteis, e, embora
eles não me digam respeito,
apenas entro para perto deles sem sair da área
que me diz respeito.
Menos os que recordam propriedades
contaram palavras minhas,
e mais os que recordam a vida não-expressa,
a liberdade e o extravasamento,
e pouco levam em conta os neutros e as castrações,
e favorecem homens e mulheres
inteiramente equipados,
e fazem ressoar o gongo da revolta, e fazem ponto
com os fugitivos e os que tramam e conspiram.
Ser de uma forma - que é isso?
(Giramos e giramos, todos nós, e estamos
sempre de volta.)
Se nada houvesse mais evoluído,
a ostra em sua calosa concha deveria bastar.
Não sou de concha calosa,
tenho instantâneos condutores por mim todo,
esteja andando ou parado,
aprendem cada objeto e o levam sem dano
através de mim.
Eu simplesmente me animo, tateio, sinto com os dedos,
e sou feliz, tocar com minha pessoa a de outrem
é quase tanto quanto eu posso resistir.
Estão todas as verdades à espera em todas as coisas,
nem apressam o próprio nascimento
nem a ele se opõem,
não carecem do fórceps obstetrício do cirurgião,
e o insignificante é para mim tão grande como tudo
(o que é menos ou mais do que um contacto).
Sermões e lógicas jamais convencem,
o peso da noite cala muito mais profundo
em minha alma.
(Só o que se prova a qualquer homem ou mulher,
é que é;
só o que ninguém nega, é que é.)
Um minuto e uma gota de mim me resolvem o cérebro,
eu acredito que torrões de barro
podem tornar-se em amantes e lâmpadas,
e um compêndio de compêndios é a carne
que alimenta um homem ou mulher,
e num ápice ou flor lá está o sentimento de um pelo outro
e devem ramificar-se além das fronteiras dessa lição
até que isso passe a todos
e até que um e, todos nos possam deleitar, e nós a eles.
Agora eu conto o que aprendi no Texas
em minha juventude
(não contarei a tomada de Alamo,
não escapou ninguém para contar a tomada de Alamo,
aqueles cento e cinquenta ainda estão mudos em Alamo):
esta é a história do assassínio a sangue frio
de quatrocentos e vinte homens moços.
Em retirada tomaram a formação de um quadrado vazio, com as bagagens como parapeitos,
nove centos de vidas do inimigo que agora os sitiava,
nove vezes o que tinham em número,
foi o preço que cobraram adiantado,
o coronel deles fora ferido e a munição terminara,
negociaram capitulação honrosa,
receberam papel lacrado e escrito,
depuseram as armas e marcharam
prisioneiros de guerra.
Eram a glória da raça dos rangers,
sem rivais em montaria, rifle, canção, repasto, galanteio, enormes, turbulentos, generosos,
orgulhosos e amáveis, barbudos, peles tostadas de sol, trajados à maneira livre dos caçadores,
nenhum deles passava dos trinta anos de idade.
No segundo domingo de manhã
foram tirados em grupos e massacrados,
era uma linda manhã de verão,
a faina começou por volta das cinco e meia e às oito havia acabado.
Nenhum deles acatou a ordem de ajoelhar,
alguns tentaram correr doida e inutilmente,
alguns ficaram duros em pé firmes,
alguns poucos tombaram de uma vez,
com tiros na fronte ou no coração,
vivos e mortos estirados juntos,
os mutilados e desfeitos cavacando o chão,
os recém-vindos viam-nos ali,
uns meio mortos tentavam sair de rastos,
esses eram despachados a baionetas ou esmagados
a coronhas de espingardas,
um jovem com não mais de dezessete anos
agarrou seu algoz até dois outros virem afrouxá-lo,
e ficaram os três todos rasgados e cobertos de sangue
do rapaz.
Às onze horas começou a queimada dos corpos.
É essa a história do assassinato dos quatrocentos e vinte
homens moços.
É tempo de eu me explicar - vamos ficar de pé.
o que é conhecido eu deixo,
chamo todos os homens e mulheres
para a frente comigo pelo Desconhecido.
O relógio indica a hora - mas o que é que indica a eternidade?
Assim temos esgotado trilhões de verões e invernos,
existem trilhões à frente, e trilhões à frente deles.
Berços trouxeram-nos riqueza e variedade,
mais berços hão de trazer-nos riqueza e variedade.
Não digo que um é maior e um é menor,
o que preenche bem seu tempo e seu lugar
é igual a qualquer outro.
Ter-se-á mostrado a espécie humana ciumenta
ou assassina para contigo, irmão meu, minha irmã?
Por ti lamento, não se mostram assassinos
ou ciumentos a mim,
todos têm sido cordiais para comigo,
não faço conta de lamentações.
(Que iria eu fazer com lamentações?)
Eu sou um vértice de coisas feitas, um cercado
de coisas por fazer.
Meus pés batem num topo do topo das escadas,
feixes de idades em cada degrau,
e feixes maiores entre os degraus,
tudo de baixo devidamente galgado, e eu subo
e subo ainda.
Aurora após aurora atrás de mim
os fantasmas se curvam,
em baixo longe eu vejo o grande Nada inicial,
sei que estive lá mesmo,
eu aguardava sem ser visto e sempre,
e entre a bruma letárgica eu dormia,
e aproveitei meu tempo,
e nenhum mal me fez o fétido carbono.
Por longo tempo eu estive enrolado - longo mais longo.
Imensas haviam sido as preparações de mim,
confiantes e amistosos os braços que me ajudaram.
Ciclos fizeram navegar meu berço, remando e remando sempre como alegres barqueiros,
para me darem lugar estrelas desviaram-se das órbitas,
mandaram influências espiar o que haveria de ficar comigo.
Antes de sair eu do ventre de minha mãe,
gerações me orientaram,
meu embrião jamais esteve entorpecido,
coisa nenhuma podia cobri-lo.
Para isso a nebulosa sustentava-se em órbita,
os longos estratos lentos amontoavam-se
para aninhá-la, plantas enormes davam-lhe sustento,
sáurios monstruosos o transportavam na boca
e o pousavam com cuidado.
Tôdas as forças foram prontamente usadas
para me completarem e para me deleitarem,
agora neste ponto eu me levanto
com minha alma robusta.
Tenho dito que a alma não é mais do que o corpo,
e tenho dito que o corpo não é mais do que a alma,
e que nada, nem Deus, para ninguém é maior
do que a própria pessoa,
e quem anda duzentas jardas sem vontade
anda fazendo o próprio funeral vestido em sua mortalha,
e eu como vós sem um tostão no bolso
posso comprar o que o mundo tem de melhor,
e dar uma vista de olho ou mostrar uma vagem
no seu galho confunde o aprendizado de todos
os tempos, e que não há profissão ou emprego
que o homem moço seguindo não seja heroi,
e que não há coisa alguma tão mole
que não sirva de cubo às rodas do universo,
e digo a qualquer homem ou mulher:
- Deixai que vossas almas se levantem tranquilas e bem postas ante um milhão de universos.
E digo à humanidade:
- Não sejas curiosa sobre Deus,
pois eu que sou curioso sobre todas as coisas de Deus
não sou curioso.
(Não há palavras que logrem dizer
quanto me sinto em paz perante Deus e a morte.)
Escuto e vejo Deus em todos os objetos,
embora não entenda Deus nem um pouquinho,
assim como não entendo que possa alguém
ser mais maravilhoso do que eu.
Por que deveria eu querer ver Deus
melhor do que neste dia?
Eu vejo algo de Deus a cada uma das vinte e quatro horas, e a cada momento delas,
nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus,
e no meu próprio rosto pelo espelho,
acho cartas de Deus caídas pela rua e todas assinadas
com o nome de Deus,
e as deixo onde elas estão, pois sei que aonde quer
que eu vá outras hão de chegar pontualmente
sempre e por todo o sempre.
O malhado gavião cai sobre mim e me acusa,
sente-se mal com a minha conversa e o meu andar à toa.
Também não sou nem um pouquinho acomodado,
e também sou difícil de entender,
faço soar meu bárbaro dialeto sobre os telhados do mundo.
o último passo do dia demora por minha causa,
puxa a imagem de mim depois que para e é fiel
como todas nas sombras desfiguradas,
vai-me levando para o vapor e a treva.
Eu parto que nem ar, sacudo os cabelos brancos
ao sol que está indo embora,
derramo minha carne em remoinhos
e a deixo flutuando em pontas rendilhadas.
Eu me planto no chão para crescer com a relva
que eu amo, se de novo me quiserdes
buscai-me embaixo das solas dos vossos sapatos.
Dificilmente sabereis quem sou ou o que significo,
mas apesar de tudo para vós serei boa saúde
purificando e dando fibra ao vosso sangue.
Deixando de encontrar-me ao primeiro momento,
conservai a coragem:
perdendo-me em um lugar, ide procurar-me em outro;
em algum ponto eu hei de estar parado
a esperar por vós.
(tradução de Geir Campos)
&&&
Whitman, Walt. Folhas de Relva. Seleção
e tradução de Geir Campos. Ilustrações de
Darcy Penteado. Ed. Civilização Brasileira.
Rio de Janeiro, 1964.
e o que eu assumo deveis assumir,
pois cada átomo que me pertence a vós pertence também.
Folgo e convido minha alma,
deito-me e folgo à vontade vendo
uma lança de capim no estio.
Minha língua, cada átomo do meu sangue,
formado deste solo, deste ar,
nascido aqui de pais aqui nascidos de pais semelhantes nisso e os pais deles também,
eu, agora com trinta e sete anos, começo em plena saúde, contando não parar até à morte.
Crenças e escolas em potencial,
afastadas um pouquinho que basta para o que são,
embora não esquecidas,
dou guarida ao bem e ao mal,
permito-me falar em qualquer circunstância,
natureza seu confronto com a força original.
Folga comigo na grama, afrouxa o nó da garganta,
nem palavras nem música nem rimas estou querendo, nem costume nem lição, nem mesmo do melhor,
quero só o acalanto, o murmúrio de tua voz valvar.
Eu creio em ti minha alma, o outro que sou não deve
rebaixar-se a ti, e nem precisas rebaixar-te ao outro.
Penso em como uma vez nos espichamos
deitados certa manhã de verão transparente,
como forçaste a cabeça nos meus quadris
e gentilmente te viraste sobre mim
e me rasgaste a camisa no osso do peito
e enfiaste a língua em meu coração nu
e foste assim até sentir-me a barba
e foste assim até sentir-me os pés.
Docemente cresceu e em torno a mim se espalhou a paz
E conhecimento além de todo argumento da terra,
e eu sei que a mão de Deus é a promessa da minha,
e sei que o espírito de Deus é o irmão do meu
e que todos os homens já nascidos também
são meus irmãos,
e as mulheres irmãs e amantes minhas,
e que um reforço da criação é o amor,
e ilimitadas são as folhas secas ou caindo nos campos,
e acastanhadas formigas n0s buraquinhos
por baixo delas,
placas de limo na cerca bichada, pilhas de pedras,
flores silvestres, musgo e espinheiro.
Alguém terá julgado uma sorte ter nascido?
Apresso-me a informar a ele ou ela
que sorte igual é morrer, e isto sei eu.
Eu passo a morte com os que estão morrendo
e o nascimento com os bebês recém-lavados,
e não me sinto contido entre o chapéu e os sapatos,
e manuseio objetos de diversas formas,
nem dois iguais e cada qual melhor,
a terra boa e boas as estrelas,
bom tudo o que vai por elas.
Não sou uma terra nem função de terra alguma,
sou o colega e companheiro de pessoas,
todas elas tão imortais e inesgotáveis como eu próprio
(não sabem quão imortais, mas eu sei).
Cada espécie por si e para si mesma,
para mim macho e fêmea,
para mim os que já foram meninos e amam mulheres,
a mim o homem que tem seu orgulho
e sabe como doi ser desconsiderado,
a mim a namorada e a virgem velha,
as mães e as mães de mães,
a mim os lábios que já deram riso,
olhos que já deram lágrima,
a mim crianças e criadores de crianças.
Descubram-se! Não são culpados, para mim,
nem maus, nem postos à margem,
vejo através da roupa de lã ou de algodão se sim ou não,
e fico em volta, pertinaz, aquisitivo, infatigável,
e não posso ser mandado embora.
Vinte e oito moços tomando banho na praia,
vinte e oito moços e todos tão amigáveis;
vinte e oito anos de uma vida de mulher
e todos tão solitários.
E dona da linda casa na subida do barranco,
ela se esconde simpática e bem vestida
por detrás das bandeiras da janela.
Qual o moço de que ela gosta mais?
Ah o mais caseiro de todos para ela é o mais bonito.
Para onde ides saindo, minha senhora?
Pois eu vos estou vendo, mergulhais naquelas águas,
apesar de parada feito um pau em vosso quarto.
Dançando e rindo na linha da praia vem o banhista
vigésimo-nono, os demais não a entreviram
mas ela os viu e adorou.
As barbas dos homens moços brilhavam
de gotas d'água,
caindo-lhes dos compridos cabelos,
pequenos fios d'água lhe escorriam pelo corpo todo.
Uma invisível mão também passava pelos corpos deles,
descendo trêmula das frontes e quadris.
Os moços nadam de costas, claras barrigas ao sol,
sem indagarem quem estende a mão para eles,
eles não sabem quem enche o peito
e desiste de sobrancelhas curvadas e vacilantes,
nem lhes ocorre que estejam salvando alguém
com a água que respingam.
Estes são realmente os pensamentos de todos os homens
Em qualquer tempo e lugar, não são originais meus,
se eles não são tão vossos quanto meus
não querem dizer nada, ou quase nada,
se não forem a pergunta e a solução da pergunta,
não significa nada,
se não se põem tão perto quanto distantes parecem,
não valem nada.
Esta é a relva que cresce onde quer que haja terra
e haja água,
este é o ar comum que banha o globo.
Com música forte eu venho,
com minhas cornetas e meus tambores,
não toco marchas só para os vencedores consagrados,
toco marchas também para pessoas batidas
e conquistadas.
Já não ouviste dizer que era bom ganhar o dia?
Eu digo que perder também é bom,
batalhas são perdidas
com o mesmo espírito com que são ganhas.
Rufo e bato pelos mortos,
sopro nas minhas embocaduras o que de mais alto
e de mais alegre posso por eles.
Vivas àqueles que fracassaram!
E àqueles cujos navios de guerra afundaram no mar!
E àqueles que em pessoa afundaram no mar!
E a todos os generais que perderam nas manobras
e foram todos heróis!
E ao sem número dos heróis desconhecidos
equivalentes aos heróis maiores que se conhecem!
Quem é que vai por aí - inquieto, tosco, místico, nu?
Como é que eu extraio força da carne que como?
Que é um homem, afinal? Que sou eu? Que sois vós?
Tudo que aponto de meu podeis tomar como vosso,
não sendo o tempo perdido a escutar-me.
Não choro aquilo que o mundo chora demais,
que os meses sejam de vazio e o chão de lama
e podridão.
Gemendo e se acovardando cheio de pó para inválidos,
o conformismo fica bem para os de quarto grau;
eu ponho como quero o meu chapéu,
portas adentro ou fora.
Por que haveria eu de rezar?
Por que haveria de exibir respeito e fazer cerimônias?
Tendo inquirido até os estratos,
analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores e calculado de acordo,
eu não encontro substância mais doce
do que a ligada com meus próprios ossos.
Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem mais nem menos um grão de cevada,
e o bem ou mal que digo de mim mesmo eu digo deles.
Sei que sou sólido e são,
para mim convergindo fluem perpetuamente coisas
do universo,
todas estão escritas para mim e tenho de saber
o que a escrita significa.
Sei que não tenho morte,
sei que esta minha órbita não pode ser riscada
por um compasso de carpintaria,
sei que não hei de passar assim como verruga de criança
tirada à noite com alfinete queimado.
Eu sei que sou soberbo,
não perturbo meu espírito para mostrar seu valor
ou para ser entendido,
vejo que as leis elementares
nunca apresentam desculpas.
(Eu reconheço que, afinal de contas,
não procedo com orgulho
além da altura a que ergo minha casa.)
Existo como sou, isso é bastante;
se nenhum outro no mundo toma conhecimento,
eu me sento contente,
e se cada um e todos tomam conhecimento,
eu me sento contente.
Há um mundo que toma conhecimento
e que é de longe o maior para mim -
o mundo de mim mesmo;
se a mim mesmo eu chegar hoje, ou daqui a dez mil
ou a dez milhões de anos,
posso alcançá-la agora bem disposto
ou com igual disposição posso esperar.
O lugar para meus pés está lavrado
e ajustado em granito;
eu me rio do que chamais dissolução,
conheço bem a amplitude do tempo.
Eu sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma,
as delícias do céu estão em mim
e os horrores do inferno estão em mim,
o primeiro eu enxerto e amplio em meu redor,
o segundo eu traduzo em nova língua.
Eu sou o poeta da mulher assim como do homem,
e digo que tanta grandeza existe no ser mulher
como no ser homem,
e digo que não há nada maior do que a mãe de homens.
Canto o cântico da expansão e orgulho,
já tivemos esquivanças e críticas suficientes,
eu demonstro que tamanho é apenas evolução.
Já ultrapassastes os outros? Sois acaso o Presidente?
Que ninharia: farão mais do que chegar
e ainda passarão à frente.
Eu sou aquele que vai com a noite tenra e crescente,
invoco a terra e o mar meio tomados pela noite.
Aperta mais, noite de peito nu!
Aperta mais, noite nutriz magnética!
Noite dos ventos do sul - noite das poucas
estrelas grandes!
Noite ainda a se curvar - alucinada noite nua de verão.
Sorri, ó terra voluptuosa de hálito frio!
Terra das árvores dormentes e líquidas!
Terra do pôr-de-sol longe - terra dos montes
cobertos de névoa!
Terra do vítreo gotejar da lua cheia apenas tinta de azul!
Terra do brilho e do sombrio encontro
nas enchentes do rio!
Terra do límpido cinza das nuvens
mais brilhantes e claras
Por meu gosto!
Terra dos grandes lances encontrada - rica terra
de peito de maçã!
Sorri, pois vem chegando teu amante.
Pródiga, amor me tens dado - portanto eu te dou amor!
Oh indizível apaixonado amor.
Interminável desdobrar das palavras dos tempos!
Por mim uma palavra bem moderna - a palavra Massa.
Uma palavra da fé que nunca se altera,
aqui ou daqui em diante é sempre a mesma,
entendo o Tempo em termos absolutos.
Ela é a única sem mancha, envolve e completa tudo,
a surpreendente maravilha mística
sozinha completa tudo.
Aceito a Realidade e não ouso interrogá-la,
impregnação de materialismo do princípio ao fim.
Viva a ciência positiva! Viva a experiência exata!
Tomai a planta da pedra junto com cedro
e ramos de lilás,
aqui está o lexicógrafo, aqui o químico,
aqui o que fez uma gramática de velhos pergaminhos,
aqui marujos que levaram seu navio
por mares perigosos e ignorados,
aqui o geólogo, aqui o que maneja o bisturi,
e aqui um matemático.
Cavalheiros, são sempre para vós as honras iniciais!
Vossos feitos são úteis, e, embora
eles não me digam respeito,
apenas entro para perto deles sem sair da área
que me diz respeito.
Menos os que recordam propriedades
contaram palavras minhas,
e mais os que recordam a vida não-expressa,
a liberdade e o extravasamento,
e pouco levam em conta os neutros e as castrações,
e favorecem homens e mulheres
inteiramente equipados,
e fazem ressoar o gongo da revolta, e fazem ponto
com os fugitivos e os que tramam e conspiram.
Ser de uma forma - que é isso?
(Giramos e giramos, todos nós, e estamos
sempre de volta.)
Se nada houvesse mais evoluído,
a ostra em sua calosa concha deveria bastar.
Não sou de concha calosa,
tenho instantâneos condutores por mim todo,
esteja andando ou parado,
aprendem cada objeto e o levam sem dano
através de mim.
Eu simplesmente me animo, tateio, sinto com os dedos,
e sou feliz, tocar com minha pessoa a de outrem
é quase tanto quanto eu posso resistir.
Estão todas as verdades à espera em todas as coisas,
nem apressam o próprio nascimento
nem a ele se opõem,
não carecem do fórceps obstetrício do cirurgião,
e o insignificante é para mim tão grande como tudo
(o que é menos ou mais do que um contacto).
Sermões e lógicas jamais convencem,
o peso da noite cala muito mais profundo
em minha alma.
(Só o que se prova a qualquer homem ou mulher,
é que é;
só o que ninguém nega, é que é.)
Um minuto e uma gota de mim me resolvem o cérebro,
eu acredito que torrões de barro
podem tornar-se em amantes e lâmpadas,
e um compêndio de compêndios é a carne
que alimenta um homem ou mulher,
e num ápice ou flor lá está o sentimento de um pelo outro
e devem ramificar-se além das fronteiras dessa lição
até que isso passe a todos
e até que um e, todos nos possam deleitar, e nós a eles.
Agora eu conto o que aprendi no Texas
em minha juventude
(não contarei a tomada de Alamo,
não escapou ninguém para contar a tomada de Alamo,
aqueles cento e cinquenta ainda estão mudos em Alamo):
esta é a história do assassínio a sangue frio
de quatrocentos e vinte homens moços.
Em retirada tomaram a formação de um quadrado vazio, com as bagagens como parapeitos,
nove centos de vidas do inimigo que agora os sitiava,
nove vezes o que tinham em número,
foi o preço que cobraram adiantado,
o coronel deles fora ferido e a munição terminara,
negociaram capitulação honrosa,
receberam papel lacrado e escrito,
depuseram as armas e marcharam
prisioneiros de guerra.
Eram a glória da raça dos rangers,
sem rivais em montaria, rifle, canção, repasto, galanteio, enormes, turbulentos, generosos,
orgulhosos e amáveis, barbudos, peles tostadas de sol, trajados à maneira livre dos caçadores,
nenhum deles passava dos trinta anos de idade.
No segundo domingo de manhã
foram tirados em grupos e massacrados,
era uma linda manhã de verão,
a faina começou por volta das cinco e meia e às oito havia acabado.
Nenhum deles acatou a ordem de ajoelhar,
alguns tentaram correr doida e inutilmente,
alguns ficaram duros em pé firmes,
alguns poucos tombaram de uma vez,
com tiros na fronte ou no coração,
vivos e mortos estirados juntos,
os mutilados e desfeitos cavacando o chão,
os recém-vindos viam-nos ali,
uns meio mortos tentavam sair de rastos,
esses eram despachados a baionetas ou esmagados
a coronhas de espingardas,
um jovem com não mais de dezessete anos
agarrou seu algoz até dois outros virem afrouxá-lo,
e ficaram os três todos rasgados e cobertos de sangue
do rapaz.
Às onze horas começou a queimada dos corpos.
É essa a história do assassinato dos quatrocentos e vinte
homens moços.
É tempo de eu me explicar - vamos ficar de pé.
o que é conhecido eu deixo,
chamo todos os homens e mulheres
para a frente comigo pelo Desconhecido.
O relógio indica a hora - mas o que é que indica a eternidade?
Assim temos esgotado trilhões de verões e invernos,
existem trilhões à frente, e trilhões à frente deles.
Berços trouxeram-nos riqueza e variedade,
mais berços hão de trazer-nos riqueza e variedade.
Não digo que um é maior e um é menor,
o que preenche bem seu tempo e seu lugar
é igual a qualquer outro.
Ter-se-á mostrado a espécie humana ciumenta
ou assassina para contigo, irmão meu, minha irmã?
Por ti lamento, não se mostram assassinos
ou ciumentos a mim,
todos têm sido cordiais para comigo,
não faço conta de lamentações.
(Que iria eu fazer com lamentações?)
Eu sou um vértice de coisas feitas, um cercado
de coisas por fazer.
Meus pés batem num topo do topo das escadas,
feixes de idades em cada degrau,
e feixes maiores entre os degraus,
tudo de baixo devidamente galgado, e eu subo
e subo ainda.
Aurora após aurora atrás de mim
os fantasmas se curvam,
em baixo longe eu vejo o grande Nada inicial,
sei que estive lá mesmo,
eu aguardava sem ser visto e sempre,
e entre a bruma letárgica eu dormia,
e aproveitei meu tempo,
e nenhum mal me fez o fétido carbono.
Por longo tempo eu estive enrolado - longo mais longo.
Imensas haviam sido as preparações de mim,
confiantes e amistosos os braços que me ajudaram.
Ciclos fizeram navegar meu berço, remando e remando sempre como alegres barqueiros,
para me darem lugar estrelas desviaram-se das órbitas,
mandaram influências espiar o que haveria de ficar comigo.
Antes de sair eu do ventre de minha mãe,
gerações me orientaram,
meu embrião jamais esteve entorpecido,
coisa nenhuma podia cobri-lo.
Para isso a nebulosa sustentava-se em órbita,
os longos estratos lentos amontoavam-se
para aninhá-la, plantas enormes davam-lhe sustento,
sáurios monstruosos o transportavam na boca
e o pousavam com cuidado.
Tôdas as forças foram prontamente usadas
para me completarem e para me deleitarem,
agora neste ponto eu me levanto
com minha alma robusta.
Tenho dito que a alma não é mais do que o corpo,
e tenho dito que o corpo não é mais do que a alma,
e que nada, nem Deus, para ninguém é maior
do que a própria pessoa,
e quem anda duzentas jardas sem vontade
anda fazendo o próprio funeral vestido em sua mortalha,
e eu como vós sem um tostão no bolso
posso comprar o que o mundo tem de melhor,
e dar uma vista de olho ou mostrar uma vagem
no seu galho confunde o aprendizado de todos
os tempos, e que não há profissão ou emprego
que o homem moço seguindo não seja heroi,
e que não há coisa alguma tão mole
que não sirva de cubo às rodas do universo,
e digo a qualquer homem ou mulher:
- Deixai que vossas almas se levantem tranquilas e bem postas ante um milhão de universos.
E digo à humanidade:
- Não sejas curiosa sobre Deus,
pois eu que sou curioso sobre todas as coisas de Deus
não sou curioso.
(Não há palavras que logrem dizer
quanto me sinto em paz perante Deus e a morte.)
Escuto e vejo Deus em todos os objetos,
embora não entenda Deus nem um pouquinho,
assim como não entendo que possa alguém
ser mais maravilhoso do que eu.
Por que deveria eu querer ver Deus
melhor do que neste dia?
Eu vejo algo de Deus a cada uma das vinte e quatro horas, e a cada momento delas,
nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus,
e no meu próprio rosto pelo espelho,
acho cartas de Deus caídas pela rua e todas assinadas
com o nome de Deus,
e as deixo onde elas estão, pois sei que aonde quer
que eu vá outras hão de chegar pontualmente
sempre e por todo o sempre.
O malhado gavião cai sobre mim e me acusa,
sente-se mal com a minha conversa e o meu andar à toa.
Também não sou nem um pouquinho acomodado,
e também sou difícil de entender,
faço soar meu bárbaro dialeto sobre os telhados do mundo.
o último passo do dia demora por minha causa,
puxa a imagem de mim depois que para e é fiel
como todas nas sombras desfiguradas,
vai-me levando para o vapor e a treva.
Eu parto que nem ar, sacudo os cabelos brancos
ao sol que está indo embora,
derramo minha carne em remoinhos
e a deixo flutuando em pontas rendilhadas.
Eu me planto no chão para crescer com a relva
que eu amo, se de novo me quiserdes
buscai-me embaixo das solas dos vossos sapatos.
Dificilmente sabereis quem sou ou o que significo,
mas apesar de tudo para vós serei boa saúde
purificando e dando fibra ao vosso sangue.
Deixando de encontrar-me ao primeiro momento,
conservai a coragem:
perdendo-me em um lugar, ide procurar-me em outro;
em algum ponto eu hei de estar parado
a esperar por vós.
(tradução de Geir Campos)
&&&
Whitman, Walt. Folhas de Relva. Seleção
e tradução de Geir Campos. Ilustrações de
Darcy Penteado. Ed. Civilização Brasileira.
Rio de Janeiro, 1964.