Fora os assuntos de guerra!  Fora com a própria guerra!
Saia de minha vista repugnada para não voltar mais
aquele espetáculo de cadáveres enegrecidos e mutilados!
Aquele inferno indescritível e coberto de sangue,
bom para tigres selvagens ou lobos de línguas ávidas,
não para homens que pensam:
em vez disso, acelera campanhas industriais
com teus destemidos exércitos, engenharia!
Teus galhardetes, trabalho, à brisa tremulando,
soando teus clarins altos e claros!
Fora o romance antigo!
Fora com as novelas, histórias e peças
de cortes estrangeiras!
Fora os versos de amor açucarados em rimas,
intrigas, amor de ociosos!
 
 
Eu digo, Musa, que hoje e aqui te trago
todas as ocupações, deveres de longe e perto,
trabalho, trabalho bom e suor, infinito, sem parada,
os antiquíssimos encargos práticos, os interesses,
as alegrias, família, parentesco, marido e mulher,
infância, os confortos da casa, a própria casa
com todos os seus pertences,
os alimentos e sua conservação,
nisso a química aplicada,
tudo o que faz o homem e a mulher comuns,
fortes, completos, de bom sangue, perfeitas pessoas
de longa vida,
e ajuda a vida presente a ser de saúde e felicidade,
e vai preparando a alma
para a eterna vida verdadeira por vir,
aptos só para banquetes à noite
com bailarinas deslizando à música tardia,
prazeres contra a saúde, extravagantes dissipações
de uns poucos com perfumes, fogo e vinho,
à luz de coruscantes candelabros!
 
 
A vós, sadias irmãs reverentes,
peço a palavra em prol de temas mais sublimes
para os poetas e a arte
que exaltem o presente e o verdadeiro,
que ao homem comum ensinem a glória de seu caminho
e os afazeres diários,
que cantem em canções quanto o exercício
e a química da vida não são nunca para se desprezarem,
seja o trabalho manual para cada um e todos -
arar, cavar, capinar, plantar e enramar a árvore,
as frutinhas, os legumes, as flores -
que nisso todo homem veja que está fazendo
alguma coisa de verdade,
toda mulher também,
usar serrote e martelo (corte ao comprido
ou atravessado),
cultivar a tendência para a carpintaria, a plástica,
a pintura,
trabalhar de alfaiate, costureira, ama, estalajadeiro, carregador,
inventar algo, uma coisa engenhosa, ajudar a lavar, cozinhar, arrumar, e não considerar desgraça alguma dar uma mão a si mesmo.
 
                                                       
(tradução de Geir Campos)


 
                 ***  ***  ***  ***

        Whitman,  Walt.  Folhas de Relva.  Seleção 
          e tradução de Geir Campos.  Ilustrações de 
          Darcy Penteado.  Ed. Civilização Brasileira. 
          Rio de Janeiro, 1964.   



Walt Whitman (EUA)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 28/10/2011
Reeditado em 28/10/2011
Código do texto: T3302988