Autorretrato

Esta mulher que me fita do fundo do espelho

acho que não sou eu.

Mas se eu não sou ela e ela não sou eu,

então quem sou eu?

Sou todas as rugas de minha face

Sou todos os fios brancos de meus cabelos

Sou todo o cansaço de meu corpo

Sou todos os pensamentos que pensei

Sou todos os sentimentos e emoções que senti

Sou todos os sonhos que sonhei

Sou todas as experiências que vivi

Sou tudo o que deveria e o que não deveria ter feito

Sou tudo o que fiz e tudo o que não fiz.

Sou tudo isto e ainda mais,

pois sou também as rugas que a plástica levou

os fios brancos de cabelos que tingi

tudo aquilo que fingi

o amontoado de pensamentos, sonhos e sentimentos

que se escondem

em cantos escuros da memória

em pontos recônditos do coração

em pregas e vincos da alma,

alguns envergonhados, outros tristes,

mordidos de remorsos pelo que poderia ter sido

e não foi, ou foi errado.

Sou ainda

o que pensaram de mim

o que sentiram por mim

o que sonharam para mim

o que viveram por mim

o que me deixaram viver

o que me deixaram sentir

o que me deixaram sonhar

o que não me deixaram viver

o que não me deixaram sentir

o que não me deixaram sonhar

o muito ou pouco que me amaram.

Por isso olho e não me reconheço.

Porque ao me olhar no espelho

só me vejo com o olhar do momento fugaz

em que meus olhos encontram meus olhos

no fundo do espelho.

Lu Narbot

Do livro Versos ao Longo do Caminho - Campinas, 2004

Lu Narbot
Enviado por Lu Narbot em 22/10/2011
Reeditado em 21/01/2012
Código do texto: T3292300
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