o ABISMO DO OLHAR
Teus olhos são halos de mistérios
portões de minha alma andrógina
teus olhos dissipam as nuvens
construo asas no cristal dos sonhos
vôo-partitura do cântico-desejo: tua voz
Seria capaz de voltar à gênese
brincar com o homem-barro de Deus
colher todas as maças do paraíso
para te isentar do pecado original
teus olhos são magmas
a lamber o caminho dos hemisférios
o caminho dos argonautas
dos desbravadores das arenas
quem me deteria por teus olhos?
nem Caim
nem a Medusa com tantos horrores
perdoaria Nero ao ver sua cabeça em chamas
seu corpo na boca de leões famintos
não, ninguém me deteria
teus olhos margeiam o tempo
e o espaço da imensidão
teus olhos mergulham
nas hastes de metais dos pára-raios
luz que viaja absoluta para dentro de mim
teus olhos são duas andorinhas perdidas
que asas-batem em meus sonhos
persigo-os na arquitetura dos seus vôos
me bastam por serem assim
cristais divinos de amor
teus olhos meus olhos sugam
silenciosos como o amanhecer
pudesse eu tê-los às mãos
seriam faróis de tudo
a incendiar o medo e a solidão
pudesse eu vingar-me de tanta beleza
te amaria mais ainda
lentamente
para não perder de vista
o evanescente crepúsculo da minha razão
teus olhos entronizados por Deus
me ordenam a luz do dia
e tudo passa a brilhar
teus olhos têm o silêncio dos lagos
madressilvas sobre as pedras
colibris sobre os muros da ilusão
os anjos estão sorrindo
são teus olhos que anunciam
o vento das manhãs
teus olhos me extasiam
porque são o que são
diz-me alguma coisa
tuas palavras
incendeiam minha solidão