A VELHICE

A velhice é como um animal

Sorrateiro

A me espreitar de uma distante moita.

Cansa-me a tarefa

De expulsar de minha carne

O velho que chega

E se funde à minha pele

Desenhando rugas

Como uma mão condenada a tatuar.

Há uma conferência de velhos

Ávidos por iniciarem uma marcha

Contra a minha rebeldia

Contra a minha feroz vontade

Contra o meu talento em iludir a dor.

A velhice me seduz

Com suas danças e seus mantras

Sua rapina

Alcança a minha capacidade

de adiar-me para o mais longe amanhã

Seu discurso

Refuta minha fé

Aniquila minha estranha liturgia.

Como uma máscara que se apodera

Do meu rosto

A velhice toma também para si

Os meus sermões

A minha lira

O meu molho de chaves:

Não há mais portas a escolher.

A velhice se anuncia

Tirana

Propaga suas reformas

Novo uso e novo ritmo para o amor

Novas preces para se combater a dor

Novas verdades para se consolar

Novas lembranças para saudar velhos amigos:

O resto que se ajunta

Como última esperança de se recompor.

A velhice impõe seu hino a me convocar

Sem protesto inútil

Com um único apelo a me abocanhar

Sigo

Sem música de saudação

Sem imprimir qualquer pressa ao passo

Engolido para sempre

Pelo horizonte que um dia, tolo, jurei

Renúncia eterna.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 15/10/2011
Reeditado em 17/01/2012
Código do texto: T3277389