A VELHICE
A velhice é como um animal
Sorrateiro
A me espreitar de uma distante moita.
Cansa-me a tarefa
De expulsar de minha carne
O velho que chega
E se funde à minha pele
Desenhando rugas
Como uma mão condenada a tatuar.
Há uma conferência de velhos
Ávidos por iniciarem uma marcha
Contra a minha rebeldia
Contra a minha feroz vontade
Contra o meu talento em iludir a dor.
A velhice me seduz
Com suas danças e seus mantras
Sua rapina
Alcança a minha capacidade
de adiar-me para o mais longe amanhã
Seu discurso
Refuta minha fé
Aniquila minha estranha liturgia.
Como uma máscara que se apodera
Do meu rosto
A velhice toma também para si
Os meus sermões
A minha lira
O meu molho de chaves:
Não há mais portas a escolher.
A velhice se anuncia
Tirana
Propaga suas reformas
Novo uso e novo ritmo para o amor
Novas preces para se combater a dor
Novas verdades para se consolar
Novas lembranças para saudar velhos amigos:
O resto que se ajunta
Como última esperança de se recompor.
A velhice impõe seu hino a me convocar
Sem protesto inútil
Com um único apelo a me abocanhar
Sigo
Sem música de saudação
Sem imprimir qualquer pressa ao passo
Engolido para sempre
Pelo horizonte que um dia, tolo, jurei
Renúncia eterna.