SE UMA PEDRA CRESCEU
Ah! quem sou eu para escrever um verso assim
como um Pessoa, mesmo que não seja o próprio Pessoa,
como também não sou eu o ópio de mim.
Quem seria eu para ser o autor de cantos
já cantados por quem já cantou seus cantos;
se cantos, recantos na alma os tenho,
como se fossem meus, e não vivo em lugar nenhum.
Quem sou eu para ser o reverso de mim,
se nos versos me estranho e quando chego ao fim
não sou o mesmo que começou a escrever ali no alto.
Quem sou eu para ser o coerente senhor que se repete
se a cada manhã olho o mundo de forma diferente,
e vezes me assusto, e outras vezes nem tanto.
Quem sou eu para ser parecido comigo
se a cada dia eu sou um ser diferente.
Parecido é quem se parece com quem não muda nunca.
Quem sou eu, inteiro ser, se às vezes me sinto
a metade de mim que eu não conhecia
ou que eu não sabia existir em minha mente.
Quem sou eu para ter permanência e limite
se a última fronteira está ali atrás,
só porque eu andava só,
e não vi nada riscado no chão que me dissesse: é aqui!...
Quem sou eu para escrever aqui esses versos
que contém uma poesia, mas não a minha poesia só,
se a poesia desses versos não fui eu só que a escrevi.
Eu nem escrevi nada ainda, porque eu nunca escrevo.
Eu sou só uma voz muda, uma pedra que cresce,
e às vezes sai por aí dizendo para outras pessoas
que as pedras crescem, rindo e chorando,
quando encontro quem fala que viu
- que uma pedra cresceu...