SEM CALENDÁRIOS

amada minha,

ontem?

– não lembro bem o dia ao certo –

deixei de ir ao encontro das estrelas do mar

e de colher bichos-do-pé do chão;

convivi com os domingos

numa obstinação de que só os domingos

entenderiam toda a conquista

de qualquer hora tola

ganha ao teu lado.

amada minha,

ontem?

– não lembro bem o dia ao certo –

deixei de pescar ao sabor das águas do ar

e de caçar animais desta extinção;

sobrevivi qual vira-folhas,

futebóis e torcedores obstinados por domingos:

a suar, a xingar, a brigar, a marcar

com as mãos o gol roubado

feito ao teu lado.

amada minha,

ontem?

– não me lembro bem o dia ao certo –

economizei gastos com alimentos não naturais

e ganhei uma fome de sábado;

assim como as feiras livres,

passei a acordar sempre mais, e cada vez mais cedo

com os prenomes dos dias da semana

– dos quais me tornei freguês –

com sacolas e com listas

feitas ao teu lado.

amada minha,

ontem?

— não me lembro bem o dia ao certo –

deixei de desdobrar as sobras das folhinhas

e matei, de vez em mim, a memória;

jamais virarei esquecimento

e nem serei – para ti – páginas de agendas ou diários

[anoto-me]

convivo em teu hoje

[lembro!]

sem a absurda necessidade dos calendários.