TRINTA E UM DE OUTUBRO
hoje,
no último dia do mês de outubro,
me arrependo, sem urgência,
da minha total falta de fé;
como queria tanto ter aprendido
a rezar
para, pelo menos,
serenar os maus e os bons defuntos...
no último dia de outubro
mora
a proximidade do Natal.
Queria tanto que os tamarindos não azedassem,
que nos araçás-goiabas não morassem bichos,
que nenhuma fruta caísse por estar pêca!
Ah, como eu queria que o Natal chegasse urgente
para poder cantar as Boas Festas do baiano Assis Valente,
assistir a paixão do nordestino, compadecido, num auto do Susssuna.
Eu, sem medo algum da morte,
revelo, nesse exato último dia do mês de outubro,
que vivi quase meio século
e ainda não aprendi a rezar!
Mas, sem medo de ser ridículo,
deixo escapar a ingenuidade da minha primeira idade:
ainda acredito no velhinho de barbas brancas e uniforme vermelho
há muito... há muito pouco tempo!
hoje,
último dia de outubro,
vou promover uma arruaça nos galpões e apitar um carnaval,
misturar Zumbi com Isabel e me tornar mulato
da Avenida Sete à Presidente Vargas
e sambar para curar os males
mal sarados da raiz!
hoje,
na última gota do último dia de outubro,
não vou me incomodar com as caveiras, com os morcegos
sequer com as abóboras luminosas!...
Eu, sem nenhum medo da fome,
vou fritar a última fruta-pão do quintal
e servi-la em cima da renda barata
que ganhei do Ceará!
Eu, sem medo de assombração,
comprarei o querosene na bodega da esquina
mesmo antes do pôr-do-sol se derramar
para acender o pavio da lamparina
que, acompanhada da lua,
despertam esta noite de trinta e um de outubro
em uma cidade qualquer do interior
sem luz elétrica nem Natais!
Finado Zacarias,
rodeado por quatro velas,
pede para que eu aprenda a rezar.
Tarde demais... Tarde. Muito tarde, mesmo!