VOU CAPINANDO

Vou capinando o calçamento

jogando as marcas de pés

ao vento, barulho de carro

e o fim de tarde feio

sem o vermelho do sol

na abertura do escuro

sem o abrir da lua

a encontrar ainda o claro do dia

Vou capinando o calçamento

vendo o cimento indiferente

a roer a sola do sapato

por onde passo

manhã de sol manso

acordando com freios bruscos

gente sem rosto

a andar sem vê os passos

Vou capinando o calçamento

que não se derrete com o tempo

o sol a esquentar o juízo

que sorri escaldado

aqui o tempo não para

a olhar o descanso

o medo não deixa o olhar

do passado furar o asfalto

Vou capinando o calçamento

com paciência nos pés da noite

os passos não veem rostos

e o passado se mostra em segredo

a mente viaja pela solidão

na ilusão do tempo velho

idos belos que tomam

assento no interior da visão

Vou capinando o calçamento

concreto sem métrica para rimar

o casario se debruça sobre

o rio em límpido espelho

vê-se os desenhos das telhas

formando ilhas que se refrescam

desejos misteriosos passeiam de

bonde pela memória da cidade

Vou capinando o calçamento

e encontro unguento às lembranças

nas pontes que cruzam

os rios sem molhar os pés

nas árvores que se inclinam

sobre as águas, templo em ruína

nas esquinas do cafés

no Recife das belas meninas

Vou capinando o calçamento

em busca do cheiro da história

Vou capinando-o para tombar a glória

patrimônio in memoriam dos falecidos

seres em gritos de vitória

Vou capinando, capinando

afinando as pernas no concreto

sem memória

o calçamento

vou capinando nos caminhos

abertos na mente, caminhando sigo

capinando o calçamento.

INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI
Enviado por INALDO TENÓRIO DE MOURA CAVALCANTI em 30/09/2011
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