VOU CAPINANDO
Vou capinando o calçamento
jogando as marcas de pés
ao vento, barulho de carro
e o fim de tarde feio
sem o vermelho do sol
na abertura do escuro
sem o abrir da lua
a encontrar ainda o claro do dia
Vou capinando o calçamento
vendo o cimento indiferente
a roer a sola do sapato
por onde passo
manhã de sol manso
acordando com freios bruscos
gente sem rosto
a andar sem vê os passos
Vou capinando o calçamento
que não se derrete com o tempo
o sol a esquentar o juízo
que sorri escaldado
aqui o tempo não para
a olhar o descanso
o medo não deixa o olhar
do passado furar o asfalto
Vou capinando o calçamento
com paciência nos pés da noite
os passos não veem rostos
e o passado se mostra em segredo
a mente viaja pela solidão
na ilusão do tempo velho
idos belos que tomam
assento no interior da visão
Vou capinando o calçamento
concreto sem métrica para rimar
o casario se debruça sobre
o rio em límpido espelho
vê-se os desenhos das telhas
formando ilhas que se refrescam
desejos misteriosos passeiam de
bonde pela memória da cidade
Vou capinando o calçamento
e encontro unguento às lembranças
nas pontes que cruzam
os rios sem molhar os pés
nas árvores que se inclinam
sobre as águas, templo em ruína
nas esquinas do cafés
no Recife das belas meninas
Vou capinando o calçamento
em busca do cheiro da história
Vou capinando-o para tombar a glória
patrimônio in memoriam dos falecidos
seres em gritos de vitória
Vou capinando, capinando
afinando as pernas no concreto
sem memória
o calçamento
vou capinando nos caminhos
abertos na mente, caminhando sigo
capinando o calçamento.