Simplicidade
José Ribeiro Zito/Maria Thereza Neves
Há coisas que não entendo
Quando o poema se tranca
Nas portas estreitas do enigma.
Há coisas que me desatinam
quando a poesia se nega,
na alma fica sem abrir janelas.
Talvez por vergonha,
Talvez por presunção,
Talvez por egoísmo,
Talvez por incapacidade de sonhar.
Talvez por ser única
Talvez por ser preciosa
Talvez por não querer se ver nua
Talvez por não querer dividir a magia.
Decididamente não sou poeta
Das coisas por decifrar.
Me pergunto
se realmente sou poesia ?
Gosto da água cristalina
Sem margens altas,
Sem tapumes nem buracos,
Sem correntes na corrente,
A subir descoberta,
Céu e lua em festa,
Sabendo que corre para o mar.
Amo o chão de estrelas
as maresias a esparramar nas areias
sem barreiras nem fronteiras
o luar , o sol
e a chuva a chorar no mar.
Gosto da rasura do gosto
Das palavras soltas,
Despidas, silenciosas, mas claras,
Como claro é o luar
Quando se despe em Agosto.
Gosto do poema livre
a falar das amarguras, inquietudes
do amor com muito amor
voar em todos os ventos
mesmo quando chega Agosto.
Gosto do poema cru
Ao natural, límpido, pintado
Da cor viva dos sentidos
E de corpo inteiro se pode dar
Numa entrega sem limites.
Gosto da verdade inteira
sem vaidades, intensa
com simplicidade
onde o limite não existe
e a entrega se faz total.
Enigmas nos versos não,
Pois os versos são para desfolhar
Na pele beliscada de raiz.
Falsidades, enigmas jamais
as palavras precisam ser reais
de alma para alma.
Na rasura do chão deitado
O poema acorda e pode descolar
Quando no restolho do sonho
Apanha as asas soltas
Com letras de clarear o céu.
Dos meus porões
a poesia tenta sempre se libertar,
abortar as estranhas
se desgarrar
e a algum lugar chegar ...
E rasante, levantado do chão,
Não pára de subir
E a subida não tem fim.
Da minha fragilidade
não encontro forças para romper grades
nem mãos para ajudar.
Há coisas que sempre entendo
Quando o poema rasga o mistério,
Abre as portas com palavras,
Palavras despidas de lixo,
Palavras desempoeiradas,
Palavras lavadas de ser,
Palavras sem rasuras de alma,
Palavras enganos dos sentidos.
Sim, há coisas que entendo
quando a mente
não quer mais nada, nada negar
mesmo que a muitos doa
porque é preciso existir,
ser plena, limpa, sem lixos.
Coisas que no poema
Convidam a entrar sem medos
De logros vestidos de sombras.
Coisas, momentos nos convidam
a refletir no tudo que vivemos
e no que há de vir com clareza aos olhos.
Na rasura do chão acordado
O poema é apenas a brancura
Deitado em palavras de ternura.
No fundo do meu fundo
o poeta muitas vezes mente
desenhando com simplicidade
como é a vida minha e de muita gente.
21/12/07