As cidades
Deste mistério que são as cidades, talvez ninguém possa entender.
As cidades são corações blindados, multidões mascaradas.
As pessoas são incapazes de se revelar, escondem-se. Choram em
porões.
Maiakovski, o poeta que driblou a anatomia, foi todo um coração.
Matou-se com um tiro.
As cidades são dos sapos, não os de Manuel Bandeira, que morreu
pobre.
Sapos obesos fartam-se em lagoas onde afogam seus dólares
escamoteados.
Pessoas vulgarizam-se e aplaudem o novo líder do BBB.
Aproveitam uma diversão cruel e dormem com a cosciência em paz.
As cidades, à noite, são ocas, casas ressonam, postes fraquejam.
Mendigos adormecem com a mesma fome de quando nasceram.
Há um medo sobre as cidades, há um interstício perigoso entre um
bom dia no ônibus
E um até logo depois do almoço. Trabalha-se para comer, pois as
cidades exigem
dinheiro. Mas o homem exaurido tem sede. Bebe do próprio suor.
Eu observo as cidades como uma lebre branca com seus olhos
vermelhos:
Inquietação e temor.
Tenho medo dessa grandeza das cidades, elas me parecem vazias e
geladas como a ponta de um iceberg.