EU SOU ELA

Você já ouviu falar de mim

E sabe até como sou feito

Os valentes preferem-me

Dizem ser machos e ter peito

Oxalá eles soubessem

Que isso é fruto do efeito

Sou doce pra quem gosta

Mas amargo mesmo no fim

Estou no empório e na biroska

Na taberna e botequim

Eu alegro as patotas

Por mim uns choram, outros riem

Eu alegro nas festas

E consolo no velório

Quase sempre me contestam

Mas esquecem logo o finório

Eu colho bons e quem não presta

E encho de lágrimas os olhos

Quem me ingere um dia se obriga

A passar por um vexame

O bom me vê e não me liga

Pois sabe que derramo sangue

Faço o fraco ser forte na briga

Mato moço e velho em bang-bang

Eu sirvo a todos os gostos

Tenho sabor variado

Se alguém nunca me prova

Esse é varão aprovado

Mas quem me curte e me gosta

Esse é um pobre coitado

Eu não sou coca-cola

Mas estou em todas

Na festa da escola

E até nas cerimônias

Sou muito requisitada

Disso não tenho vergonha

A uns poucos eu alegro

Mas a muitos eu entristeço

Alguns me bebem e penduram no prego

E a quem não dorme eu adormeço

O feio parece belo

E ao ridículo, engraçado pareço

Se é pobre que me bebe

Pode ficar sem propósito

Mas se é o rico diz-se

Ele está engraçado

Deste diz-se está alegre

Daquele diz-se está coçado

Dizem que sou gostosa

Mas sempre pedem um tira-gosto

Aquele que não manera

Acaba sempre no posto

Parece até pilhéria

Disso mesmo é que eu gosto

Eu sou mesmo a causa

De muita desgraça

Eu faço amigos irem à bala

E namorado matar namorada

Pai e filho se ferirem à faca

Por mim se matam de pirraça

Dizem que sou “loura suada”

Sendo eu cerveja

Ou branca cheirosa, sendo pinga

Que me bebem não gelada

Quem me gosta diz: não faz mal

Mas faço estrago na ressaca

Os saudosos me bebem

Dizendo que é pra esquecer

Os idosos que não se aquecem

Faço eles se aquecer

Quem não quiser ficar porre

É bom a eu não recorrer

Ao rico eu deixo pobre

A este eu lhe iludo

Diz ele: sou filho de nobre

Dou-lhe as palavras de linguarudo

Olhos maus e língua dobre

Pernas bambas e ouvido surdo

O prudente não me toca

Pois eu faço até ficar nu

Ao viril eu deixo broxa

E ao tarado dar o ...(?)

Mulher, ficar sapatão de galocha

E faminto comer urubu

Mulher bonita que se cuide

Pois aproveito a tendência

Se ela tem algum desejo oculto

Eu lhe incito a indecência

Ser possuída por um bruto

Faço-a desejar com frequência

Até rei fica tolo

Eu não poupo a ninguém

Deixará seu leito gostoso

Se me beber também

Trocará o palácio pelo lodo

E ficará sem vintém

Eu torno atrevido e obsceno

Basta de mim abusar

Tiro a virtude e o bom senso

É só de mim não se fartar

Ao que não presta eu induzo

Não é sábio quem em mim errar

Mato mais que guerra

Firo mais que faca

Levo muitos a terra

Consumo com a cirrose hepática

A uns dou olhos de lampreia

A outros, cara de babaca

Já me chamaram de tudo

Tenho muitos cognomes

Sou preferida dos estultos

Mas sou fêmea que eles não comem

Alguns me preferem sobre tudo

E só me bebe o mau homem

No Brasil sou pinga

No Japão saquê

Uísque na Escócia

No México tequila

Na Rússia vodka

Na Argentina birra

Mas não se impressione com isso

Os nomes são chamariscos

Cada um afoga em si

A mágoa que trás consigo

E eu afogo o coitado

Tirando dele o juízo.