INTROSPECÇÃO...
Não gosto nada desta fumaça escura que ronda-me.
Prefiro a do cigarro… mata-me aos poucos.
A outra… rouba-me a existência.
Enfraquece-me. Arranca-me sonhos. Nega-me tudo.
E se eu morresse amanhã?
Ou, quem sabe, depois de descrever esta porra toda que ronda-me?
Quantos sorrisos francos deixaria, eu, de dar?
Sim… um sorriso franco é demorado…
Mas daria tempo de morrer depois.
Ah… ser terna sempre, ninguém consegue… Cansa. Emudece.
E eu não tenho nenhuma vocação para isto. Preciso “afundar” um pouco!
E se eu morrese agora…?
Quantas palavras poderia deixar, eu, de pronunciar?
Gostaria que fossem todas só de amor.
Mas, de certo, não seria nenhuma mentira.
A não ser que fosse para salvar uma vida… um amigo…
Não. À minha não cabe nem uma mentira mais.
E como seria bom morrer daqui a pouco…
Num instante sou feliz… noutro, quero morrer enquanto “feliz”…
Já perceberam quantos hipócritas vão a um enterro?
E todos os mortos são bons. Todos “perdoados” momentaneamente…
Até descer à tumba… ainda bem. Há um certo respeito nisto.
Por vezes, hipócrita… Até penoso…
- Morreu tão feliz! … Falei com ela ontem!
– Sonhei com ela esta semana… Ela era tão generosa…!
Antes que eu morra daqui a pouco… apenas um desejo:
Vão ao meu enterro INTEIROS!
Com ressentimentos, considerações, saudades…
Levem consigo até desejo realizado por eu ter morrido!
Mas vão inteiros… Por favor!
Eu sou impaciente com isto… Poderia até levantar-me!
Não molhem minha tumba com hipocrisia…
Vale apenas uma florzinha singela… vinda do coração.
Não gosto desta fumaça escura que ronda-me os pensamentos.
Ofusca minha pouca visão opcional.
Eu quase nada quero enxergar… não quero!
Mas quero OPTAR por não enxergar!
Sem a obrigatoriedade a qual submete-me esta escura fumaça…!
Preciso comprar um exaustor…
Valha-me! … Ando mesmo exausta!
Karla Mello