Carta de despedida

Começou nos primeiros raios da manhã,

logo cedo,

aonde deveria ter acabado.

Ele nela

e ela longe, no breu.

Versão minha de Romeu e Julieta,

eram João e Maria.

Fizeram juras de amor

sofreram com a distância do mel do beijo.

Criaram sonhos:

filhos, sítio, meia dúzia de animais

e convites de casamento.

Por um erro ou deslize qualquer,

muito provavelmente por parte dele,

a certeza deu-se em dúvida

e, logo após, em um não virá a ser.

O vento da tragédia,

causa da praia deserta ter sido tomada pelo mar,

prelúdio de desastres irreversíveis,

vindo do norte sucedeu Maria.

E ela, antes do meio-dia,

quando sem esperança estava,

na falta de ar pra respirar,

ou mesmo chão abaixo dos pés,

econtrou-se já morta.

Maria partiu sem sequer se despedir;

Não viu o moinho em frente à sede.

Não viu os pés de todas as frutas nordestinas.

Não aprendeu a fazer pequenos cordéis,

nem ensinou a arte de trabalhar com a terra.

João, prostrado sobre si,

não percebia a ida do dia

nem a chegada da noite.

Pesavam-lhe as possibilidades.

Queria desistir

por não ter forças pra tentar.

Queria não mais insistir,

nem mesmo refutar.

Já não tinha forças pra sorrir,

Nem gotas d’água pra chorar.

O relógio, que de sofrimento pouco entendia,

Vestia-se de carrasco ao marcar a mesmice da batida:

Tic, tac,

Tic,tac.

E a vida, pelo riacho

do sítio que ainda não existia,

deslizava e esvaía,

desaguando ao seu tom,

tic-taqueando rumo ao mar.

O tempo mostrou-se severo demais e

como em toda história de tragédia romanceada,

ele emagreceu.

Enrijeceu.

Criou calos.

Calou-se um bocado.

Falava apenas o habitual:

Bom dia e boa noite.

As outras sonorizações

eram puro reflexo aerodinâmico.

Coisa bem cartesiana.

Abusando do seu último fôlego

de valente sensibilidade,

e maquinário prejudicado,

escreveu sua última carta,

a despedida.

Chorou algumas pitangas,

umbus, cajás, graviolas.

E, para seu azar,

Após o último suspiro da vela,

sem qualquer luz para se referenciar,

diferente de Maria,

só morreu no final da história.

(e quem decretou que as histórias

terminam no ponto final?)