A VOZ

A noite adormece sem silêncios.

Há, nos ventos granulados marítimos, um rugir de aviso:

É a madrugada entre a avenida oculta pelos edifícios e o mar.

São as noites em buzinas e derrapadas, freadas bruscas e sirenes

E o mar e eu, insones, continuamos cantando como se uma canção de ninar fosse o que mais importasse.

No não-silêncio noturno, nenhuma voz humana.

Um ladrar distante, os coqueiros como se chuva num teto de zinco, a areia como se vento, o vento como se tempestade.

A tempestade não se anuncia, cai.

Eu não adormeço, mesmo que haja silêncios.

Meus silêncios são prenhes de gemidos, e gritos e lágrimas não choradas, que a chuva chora por mim.

Minha poeira é lavada pelo temportal e eu respiro, sob as nuvens, afogando-me de pé, em frente ao mar.

De repente, um canto, não o meu, nem o do mar, nem o dos carros enlouquecidos alcoolizados.

A voz é de alguém que canta, alguém que uiva, alguém que chora seu amor na escuridão molhada da noite.

Percorro os pingos de chuva na calçada e eles descem pelos meus cabelos, embotando-me os olhos.

Um trovão ilumina meu banho de chuva, eletrizando o ar e as estrelas ocultas por trás das nuvens carregadas.

Sigo aquele canto, por entre os silêncios e, para minha surpresa, um bar.

Os clientes ouvem, bebem, aplaudem, ela está ali, a voz.

Um violão aconchegado ao seio, um olhar distante, uma canção.

É ali que eu quero estar nas madrugadas não adormecidas em que eu, dormente, não tenho nenhum colo para me ninar.

Aquela voz será o meu colo e nela vou passar as noites silenciosamete.

Iama K
Enviado por Iama K em 18/09/2011
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