A VOZ
A noite adormece sem silêncios.
Há, nos ventos granulados marítimos, um rugir de aviso:
É a madrugada entre a avenida oculta pelos edifícios e o mar.
São as noites em buzinas e derrapadas, freadas bruscas e sirenes
E o mar e eu, insones, continuamos cantando como se uma canção de ninar fosse o que mais importasse.
No não-silêncio noturno, nenhuma voz humana.
Um ladrar distante, os coqueiros como se chuva num teto de zinco, a areia como se vento, o vento como se tempestade.
A tempestade não se anuncia, cai.
Eu não adormeço, mesmo que haja silêncios.
Meus silêncios são prenhes de gemidos, e gritos e lágrimas não choradas, que a chuva chora por mim.
Minha poeira é lavada pelo temportal e eu respiro, sob as nuvens, afogando-me de pé, em frente ao mar.
De repente, um canto, não o meu, nem o do mar, nem o dos carros enlouquecidos alcoolizados.
A voz é de alguém que canta, alguém que uiva, alguém que chora seu amor na escuridão molhada da noite.
Percorro os pingos de chuva na calçada e eles descem pelos meus cabelos, embotando-me os olhos.
Um trovão ilumina meu banho de chuva, eletrizando o ar e as estrelas ocultas por trás das nuvens carregadas.
Sigo aquele canto, por entre os silêncios e, para minha surpresa, um bar.
Os clientes ouvem, bebem, aplaudem, ela está ali, a voz.
Um violão aconchegado ao seio, um olhar distante, uma canção.
É ali que eu quero estar nas madrugadas não adormecidas em que eu, dormente, não tenho nenhum colo para me ninar.
Aquela voz será o meu colo e nela vou passar as noites silenciosamete.