TEMPORALIDADE
Ardiloso e imperscrutável é o tempo,
dissimulando eras, fases, idades.
Arma-nos pérfido domínio
e ousamos mensurá-lo em estações
que parecem mudar-se com intensidade,
cederem espaço, sensibilidade e beleza,
mas envolvem-se umas às outras
e nos envolvem, com sutileza,
nas intempéries nos absorvem,
estreitam laços:
o presente,
quando menos se espera,
abraça, sorrateiro, o passado,
como se após longas idas e vindas
o momento interrompido
fosse sutilmente retomado,
com toda sua magia ou heresia,
pelo fascínio ou pela saudade cegado.
A razão, a paixão, o amor,
lemes de nossa alma navegante,
rumam a esse horizonte
por onde sem bússola transitamos.
Movem-se em nosso íntimo
todas as coisas,
em constante meio-enlace:
as desejadas, as receadas,
as dispensadas,
as que não foram,
mas que poderiam ter sido,
as inacabadas, as camufladas,
as adiadas e as insuspeitáveis,
resgatando ou ampliando
as reservas de ternura, bondade,
ingenuidade, magia,
soterradas
por indiferenças, desventuras,
negações, fugas, omissões,
frustrações, falsas aventuras,
como se o tempo hoje optasse
por se contentar em ser mero cenário.
E a presença persevera, sinestesicamente!
E o tempo (trans)corre célere corsário!
Pintura de Salvador Dali