Penteadeiras
Eu sou do tempo quando as ruas tinham esquinas
Daquelas onde se encontravam as sinas
De quando mulheres eram mulheres
E meninas eram meninas
Houve esse tempo renegado
Pelo progresso incinerado
Restando apenas em nossos olhos da lembrança
As figuras, os quadros, as velhinhas de cocó
O homem que vestia paletó
Havia móveis pesados cheios de mistério e perfume
E, à noite, pelos quartos, voejavam vagalumes
Tempo bom aquele, quando tudo demorava
Carta, bilhete, telegrama e, mais ainda, beijo da namorada
Dias de sol em manhãs de cristal
Dias de chuva formando lamaçal
Horas de histórias da avó sentada na cadeira de balanço
Caíam os frutos das goiabeiras
Pássaros confiantes bicavam a soleira
A mulher se embelezava
Sentada no puff frente à penteadeira
O homem tinha bigode, palavra e relógio de algibeira
Tinha mulher e também amante
Que homem não era de brincadeira
O estrangeiro era um lugar lá longe
Tão distante que nem pensamento alcançava
E a terra onde se nascia
Era coisa que a gente amava