Um certo sabiá

E vieram os homens de macacão

cansados de tanto cortar,

as grandes tesouras de podar

calejando-lhe as mãos...

Na minha rua ,árvores exuberantes

eram as cidades dos passarinhos

bem fornidas de insetos,

um céu particular...

Eu acordo sem despertador:

bemtevis a gritar que viram

o amor feito sob os lençois

de noitinha ou de madrugada...

pardais numa matinata monocórdia

e engraçadinha,fazem algazarra

de criancinhas...

Há um sábio sabiá

que parece tomar conta do lugar

e observar o vôo das borboletas

bailarinas em cores

que parecem flores...

Mas vieram os homens de macacão...

E quando voltei do trabalho,

o ar em torno tinha um cheiro

de verde-clorofila

e as árvores choravam...

Pipilavam os pássaros, desesperados

tendo perdido galhos,ninhos e ovinhos...

Meu coração apertou-se em silêncio,

chorando essa necessidade

da cidade grande:a poda

tem de ser feita

por causa dos fios de alta tensão...

Para isso trabalham os cansados

homens de macacão...

Procurei o sábio sabiá

que aprendera a viver sem as palmeiras

bem altas, no Maranhão

de Gonçalves Dias...

E ouvi, ah se o ouvi!Consolando

a pardoca aflita

sem sua primeira ninhada:

"a primavera asempre volta,

as árvores crescem mais fortes

depois de assim cortadas...

É começar de novo,pois

na Terra tudo existe ciclicamente...

Achei-o mais sábio ainda e dei

uma voltaem torno de tanta devastação

vendo os ovinhos quebrados no chão...

Mas quando me dei conta, o canto

do sabiá, no canto da rua enlutada,

era também de pranto...

E choveu, do meu olhar!!!

Clevane pessoa de Araújo Lopes

BHorizonte,Brasil,2003