Chuva de verão
As pestes. Lamentei as pestes.
A estéril procura de Deus.
A fome. A miséria e a fome.
As guerras. Lamentei as guerras.
O cerimonial da vida.
Todos os erros.
Lamentei a mentira e o mal, a dúvida.
Os poemas e os cantos.
O silêncio, lamentei.
E também a luxúria. E o crime.
Lamentou o pensamento. E até a procura, por vã que seja, tão estéril.
O vento.
Ele lamentou a noite.
A morte.
Os cães.
A infância, ele lamentou, muito, muito.
O amor, ele lamentou.
O amor ele o lamentou para além de sua vida, para além de suas forças.
Os céus tempestuosos, ele lamentou.
A chuva de verão.
A infância.
E depois, um dia, sentiu o ardente desejo de viver uma vida de pedra.
De morte e de pedra.
Uma vez, ele não lamentou.
Não lamentou mais nada.
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(Poema recitado por Ernesto em "Chuva de Verão", Marguerite Duras)